CINCO

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Juliette Freire.

- Mamãe, por que o papai gritou? Eu não consegui dormir. - Cecile ergueu o rostinho para mim, sentada em meu colo no sofá. Havia acordado de seu cochilo da tarde com os gritos de Bil e estava um pouco assustada, sem querer ficar sozinha.

Acariciei os fios claros de seus cabelos, fitando seus olhos grandes e esverdeados, no tom exato de uma esmeralda.

- Você sabe que o papai está dodói, não é, abelhinha? Às vezes ele esquece das coisas e fica um pouco nervoso, mas logo ele se acalma. Agora ele está dormindo como um anjinho.

- Ele vai dormir e nunca mais acordar? Igual o pai do Ben?

- Só o papai do céu sabe quando a gente não vai acordar mais. Se o seu pai estiver muito cansado, talvez seja melhor para ele, não é?

- Eu queria que ele ficasse aqui com a gente. Ele nunca brinca comigo. Só você. - Um biquinho se formou em sua boca. - Ele nunca saiu da cama? - Ceci perguntou com os bracinhos cruzados.

- Saiu antes de ficar doente. Agora ele precisa descansar. - Olhei-a com amor, vendo agora o rostinho inocente e confuso. Cecile nunca teve um pai de verdade, presente. Bil já estava doente quando ela nasceu e piorou enquanto ela crescia. Inclinei-me para beijar a sua bochecha. - Mas ele te ama muito, abelhinha. E eu estou aqui para brincar com você, então não precisa ficar bravinha. - Disse fazendo cosquinhas em sua barriga.

- Ainda bem. - Ela diz rindo e eu sorrio de volta. Adorava ficar com ela assim, no colo mimando-a. Era linda, doce e o amor da minha vida. Eu nunca amara ninguém do jeito que a amava. Por ela eu daria a vida. Tal pensamento renovou o medo que não saía de dentro de mim, enquanto os dias passavam. No dia seguinte completaria uma semana do prazo dado pelo agiota e eu tentara de tudo naqueles dias para conseguir algum dinheiro. Passei roupa na casa de vizinhos, fiz faxina, me desdobrei muito, mas só consegui o suficiente para por comida em casa e comprar a pomada para evitar feridas em Bil. Estava exausta e mal conseguia dormir.

O dono da casa vivia me cercando e perdia a paciência com o aluguel atrasado. Nada dava certo. Parecia que um círculo de dor, medo e pobreza se fechava cada vez mais a minha volta e eu não sabia como escapar daquilo.

Parei de acariciar os cabelos de Cecile ao pensar em Sarah. Uma onda de vergonha e humilhação me envolveu e a raiva que eu sentia dela aumentou. Havia uma solução para os problemas. Me prostituir para aquela canalha, mas eu não podia fazer algo assim. Eu sou casada e Cecile é o meu único amor. Eu nunca me deitaria com alguém por dinheiro. Devia haver outra solução.

Bateram na porta de repente e eu me assustei. Cecile quase cochilava em meu colo e despertou.

- Será a tia Carla, mamãe?

- Não sei. - Ergui a voz. - Quem é?

Bateram outra vez, agora com mais força. Percebi que era mais algum problema. Talvez uma cobrança. Gelei ao pensar que poderia ser o agiota, vindo um dia antes do prazo combinado.

- Cecile, vá para o seu quarto e feche a porta. Deite na sua caminha e tente tirar um cochilo. Só saia de lá quando a mamãe chamar.

- Não quero ficar sozinha mamãe.

Bateram mais uma vez na porta, fazendo o vidro tremer. Gelada, eu me levantei com Cecile.

- Vá. Faça o que eu disse. Daqui a pouco vou te buscar.

Ela ia reclamar, mas pareceu perceber que eu estava nervosa e obedeceu. Respirei fundo e fui até a porta. Vi a sombra grande de um homem através do vidro.

- Quem é?

- A senhora sabe quem sou. Se não abrir, vou arrombar.

- Vou chamar a polícia!

- Antes da polícia chegar, eu já terei entrado aí e resolvido o problema.

Comecei a tremer e a suar frio, sem saber o que fazer.

- Vim apenas conversar. É melhor a senhora abrir.

- Por favor, tenho uma filha pequena e meu marido está doente!

- Só quero conversar. As coisas só pioram amanhã, se não pagar a sua dívida. Vim dar um recado do dono.

Eu sabia que só deixaria o homem ainda mais nervoso se não abrisse a porta e que ele arrombaria aquela porta velha facilmente se quisesse. Abri somente o vidro e o encarei. Era um moreno alto e grandalhão, com um olhar malévolo e uma cicatriz no canto da boca, que repuxava seus lábios para baixo no lado esquerdo.

- Ele quer saber se o dinheiro estará aqui amanhã, entendeu?

- Preciso de mais um prazo. Olha, eu...

- Sem prazos e sem essa sua conversa errada, vadia. Amanhã ele virá aqui e, se você não tiver o dinheiro, vai pagar muito caro. Pode chamar a polícia e até se esconder por algum tempo, mas a gente te encontra. - Ele sorriu, expondo um dente dourado. Olhou-me de cima abaixo. - Ele vai gostar de receber o pagamento de outra maneira. Depois de usado, seu corpo vai parar na lama. Coitada da sua filha. Sem mãe e sem pai. O senhor gosta muito de menininhas. Vai ter o maior prazer em cuidar dela.

Eu não consegui dizer nada, imobilizada pelo pavor. Estava gelada e trêmula.

- Tenha uma boa tarde. Amanhã, a esta hora, virei aqui com o dono, pegar o que a senhora deve. E é melhor não fazer nenhuma besteira. Tem alguém de olho na senhora. - Lançou-me mais um olhar asqueroso e se retirou. Levei as mãos ao meu rosto e comecei a soluçar , em desespero.

O que eu ia fazer? O que?

- Ju. - Era Carla na porta, assustada. - O que houve? Era do agiota?

Sequei as lágrimas rapidamente, concordando com a cabeça, tentando me controlar. Tremia muito ao abrir a porta.

- Ei Ju, eu juro... Eu juro que gostaria muito de poder te ajudar!

Sem suportar mais tanta pressão e desespero, abracei-me a ela e deixei as lágrimas descerem livremente. Ela tentou me confortar, fazendo carinho em minhas costas, acalmando meus tremores. Por fim consegui me afastar e enxuguei os olhos, tirando o cabelo do rosto.

- Não posso deixar que façam mal à Cecile. Se eu não tiver o dinheiro amanhã, vão me estuprar e matar, e depois vão pegar a minha filha! Deus do céu, o que eu fui fazer! Me desesperei sem poder pegar empréstimo e recorri a esse agiota, que não passa de um bandido! Não posso nem chamar a polícia. Depois eles se vingariam. - Começo a falar sozinha andando de um lado para o outro na sala.

- O que vai fazer, Ju? Quer que eu peça dinheiro a... Thaís?... A gente dá um jeito e vende cupcakes de manhã e até o meio dia já temos algum dinheiro, sei lá... Eu junto com um pouco do meu e... 

- Carla, não... Não quero que gaste comigo e muito menos ficar sempre tirando das suas condições para me dar.

Olhei para ela, sentindo-me subitamente muito fria.

- Só posso fazer uma coisa... Ser a prostituta de Sarah Andrade.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora