SEIS

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Juliette Freire.

Carla, que sabia daquela proposta e ficara tão furiosa quanto eu, franziu o cenho, penalizada. Sabia que eu nunca faria tal coisa se pudesse evitar.

- Se não for prostituta dela, vou ser do agiota e seus capangas. Não tenho muito solução, não é?

- Nem pense nisso Juliette! - A loira balançou a cabeça. - Essa irmã do Bil é uma filha da puta! Ela poderia muito bem te ajudar sem exigir isso.

- Ela quer se vingar. No passado eu a rejeitei. Ela me chamava de prostituta do Bil. Agora quer provar que tenho mesmo um preço. Duvido que ela se importa com o irmão ou comigo. Nunca nos engoliu. Não perderia uma chance de me humilhar.

- Tem certeza do que vai fazer? Você nunca mais será a mesma depois disso...

- Não tenho escolha, Carla. E não posso ficar pensando muito. Amanhã preciso ter o dinheiro em mãos.

- Vai lá agora? E se ela não estiver no escritório? Tem o telefone de lá?

- Sim. Na boate me deram o endereço e o número do escritório dela. Parece que ela está em Nova York.

- Vai lá em casa e ligue. Fico aqui e olho a Ceci e o Bil.

- Obrigada. Não sei o que seria de mim sem você. - Beijei seus cabelos ao passar por ela para ir pegar o número do telefone em minha bolsa. Sentia-me como se estivesse indo para a forca. No corredor, espiei para dentro do quarto onde eu dormia com Bil nos últimos anos. Deitado imóvel sobre a cama, o homem pálido e esquelético dormia profundamente, coberto por um lençol  até o peito. Entrei silenciosamente no quarto e me aproximei da cama. Lágrimas surgiram nos meus olhos mais uma vez ao vê-lo naquele estado. Ele tinha apenas trinta anos. Talvez nem chegasse a completar trinta e um. Era apenas a casca do homem que fora no passado e por quem eu havia me apaixonado.

Acariciei seu cabelo macio, castanho escuro e ondulados, e minhas lágrimas pingaram no lençol. Tentei me controlar enquanto o virava mansamente de lado, minhas mãos foram até os travesseiros que o mesmo estava encostado com a cabeça e ajeitei o travesseiro. Minhas mãos passaram por seu rosto e foram para suas mãos. Ele estava tão magro. Precisava sempre mudar a posição dele, para que não criasse feridas.

No hospital ele sempre ficava com as feridas, pois os enfermeiros deixavam-o amarrado na cama, sempre na mesma posição. Em casa eu era cuidadosa com aquilo, não deixava faltar as pomadas dele, mantinha-o sempre limpo e acordava de madrugada para ajeita-lo.

Os remédios para evitar a dor e o próprio estado dele , de semi-coma, deixavam-no dopado a maior parte do tempo. Somente muito raramente, como acontecera naquela tarde, ele recobrava a consciência, falava do passado, com pensamentos confusos e agressivos. Era a fase final da doença. Logo ele não teria mais consciência nenhuma.

- Me perdoa. - Murmurei, beijando o seu rosto frio, com carinho. Eu jurara cuidar dele até o final e ser fiel. Agora eu teria que quebrar a segunda promessa. Tentei controlar as novas lágrimas que insistiam em cair. - Deus sabe que eu não faria isso, se pudesse evitar. - Durma bem.

Ergui-me, ajeitei seus lençóis e saí do quarto em silêncio. Abri a porta do quarto da frente, onde Cecile dormia tranquilamente de bruços. Enchi-me de amor e entrei no quarto. Beijei seus cabelos e silenciosamente rezei para que ela nunca soubesse o que eu ia fazer, peguei o pedaço de papel na minha bolsa, com o telefone da minha carrasca, e saí do quarto sem fazer barulho.

Carla estava sentada no sofá, visivelmente nervosa e preocupada por minha causa. Tentei ser corajosa e sorri para ela.

- Tudo isso vai passar Carlinha. E eu vou esquecer.

- Se eu pudesse evitar isso... Eu juro Jully... Juro que daríamos um jeito e...

- Ninguém pode. Vou até a sua casa ligar, tá bem?

- Claro. A porta está aberta.

A casa dela era maior que a minha, e estava em melhores condições. Sentei-me no sofá da sala, muito limpa e não quis ficar remoendo o que eu ia fazer. Era melhor resolver tudo de uma vez.

Disquei e em pouco tempo uma mulher atendeu. Disse rapidamente a ela que queria falar com Sarah Andrade e quem eu era. Para a minha surpresa a secretária não me veio com desculpas de precisar de hora marcada. Pediu apenas que eu esperasse na linha. Demorou um pouco até uma voz imponente falar.

- Eu estava de saída. Por pouco você não me encontra aqui, Juliette. - Fiquei gelada ao ouvir a voz dela. Segurei o telefone com força.

- Eu aceito. - Falei baixo.

- Eu sei. - A arrogância dela fez minha raiva aumentar. Engoli em seco e falei com firmeza:

- Preciso do dinheiro hoje.

- Temos que conversar e combinar os detalhes.

- Que detalhes? Você já não fez a sua... Oferta? - Não pude evitar a ironia.

- Isso é um negócio, Juliette. Tudo precisa ser exato, para evitar mal entendido. - O tom dela era cínico e a sua voz baixa. Parecia estar se divertindo por conseguir o que queria. - Dê-me seu endereço. Meu motorista vai busca-la.

- E me levar para onde?

- Ora, para o covil do lobo! - Ela disse com seu tom irônico na voz. - Espero você em meu apartamento. Combinamos durante o jantar. E depois cuidaremos do pagamento.

- Eu... Eu não posso demorar muito. Preciso cuidar da minha filha e do...

- Já falei tudo o que tinha que ser dito. Levaremos o tempo que for preciso. Arrume alguém para cuidar de seus problemas por enquanto. Dê-me seu endereço.

Voltei para casa controlando-me para não chorar. Eu sempre fora de chorar à toa e, com todos aqueles problemas, vivia chorando. Mas queria ser corajosa e levar adiante com aquele acordo. Não ia me entregar ao desespero.

- Falou com ela? - Carla se levantou do sofá.

- Sim. O motorista dela vem me buscar. Eu não gostaria de pedir isso, mas...

- Não se preocupe. Eu fico e tomo conta de tudo. Ceci adora ficar comigo e sabe que sou louca por ela. E sabe que fazemos coisas divertidas juntas... Como comer um pote de sorvete enquanto assistimos algum desenho pelo notebook da Thaís. - Ela sorriu.

- Bil ficou nervoso hoje, mas agora dormirá direto. Você sabe trocar o frasco do soro, não é? Vai demorar a acabar, pois está lento.

- Sei de tudo isso. Agora vá se cuidar. Nada disso é culpa sua, Ju. Você continua sendo a moça forte e lutadora que eu admiro. Eu confio no seu potencial e sei que tudo isso vai passar...

Abracei-a e depois saí correndo da sala. Precisava me preparar para mais uma prova que a vida colocara em meu caminho.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora