21_ Passado.

162K 14.6K 19K
                                    

Rain Miller

... - Eu acho que a gente tá sozinhos.

Eu assenti olhando em volta e comecei a abrir os botões da minha camisa, o Marcus me olhou confuso, e ao mesmo tempo chocado.

- Tá esperando o que? O natal? Bora filho, tira a roupa. - Falei olhando para o Marcus e ele caiu na risada.

- Eu tava falando que a gente tá sozinhos, então a gente pode ir pro terraço. - Disse.

- Ah ta... - Ri.

O Marcus riu e se aproximou de mim. Ele afastou as minhas mãos da camisa e começou a apertar os botões gentilmente. Eu encarei o rosto dele e às vezes as mãos dele, enquanto ele fazia aquilo.

Quando ele terminou, o mesmo não me deu tempo de falar nada, simplesmente pegou na minha mão e me puxou pela biblioteca.

Não demorou muito, e já estávamos sentados no terraço.

Eu queria sentar nele, mas fazer o que né...

- Ok, pode ir falando. - Mandou enquanto se apoiava nos cotovelos, meio deitado para trás.

- Falar? - Repeti confusa.

- Sobre o seu irmão e aquela confusão toda. - Lembrou me olhando com cuidado.

- Ah... - Desviei o olhar para a floresta que estava na nossa frente.

- Talvez a gente possa começar com algo mais leve. - Sugeriu e eu voltei a olhar pra ele. - Os seus pais?

- Os meus pais não sabem nem da metade das coisas que eu já passei. Dos choros abafados, das decepções vividas e as dores guardadas em cada sorriso meu. - Expliquei sentindo o olhar do Marcus sobre mim.

- É... Eu te entendo nisso. - Comentou desviando o olhar.

- E se a gente começar por você? - Me aproximei.

- Por mim? - Sorriu confuso.

- Qual foi o motivo da briga com a sua mãe? - Perguntei e o Marcus jogou a cabeça para trás com um sorriso.

- Ela apenas falou o habitual, só que dessa vez eu respondi e ela odiou isso. - Respondeu e eu continuei encarando ele, esperando por mais informações. - Ela costuma me pressionar bastante, nem sempre foi assim. - Olhou pra longe.

Eu abaixei o olhar e o Marcus voltou a falar.

- Quando o meu pai morreu... - Deu uma pausa. - A minha mãe ficou arrasada, e foi péssimo ver o quão mal ela ficou por aquele homem doentio ter saído das nossas vidas. O pior foi quando eu percebi que por mais horrível que ele fosse, ela amava ele. Ela superou ele... Ou pelo menos, ela deixou de demonstrar qualquer coisa sobre ele. Eu tive a típica infância traumática de alguém que teve um pai alcoólatra e agressivo. - Levantou o rosto pra me encarar com um sorriso falso.

- Eu lamento muito... - Falei.

- E sabe o pior? - Riu nervosamente. - Eu sou obrigado a lembrar dele todo santo dia, porquê essa droga de colégio era dele. - Acrescentou.

- Por que a sua mãe continuou aqui? - Perguntei confusa, levando em conta as informações que eu tinha acabado de receber.

- Isso é algo que eu nunca vou saber, porque ela não fala comigo sobre nada além de estudos. - Contou baixinho. - A morte do meu... pai, foi suficiente para acabar com qualquer relação que eu tinha com a minha mãe. Ela se fechou, talvez porquê eu faça ela lembrar dele. - Respirou fundo. - Ela me dá sempre trabalhos absurdos para fazer em um dia. No início eu me convenci que ela só queria o meu bem, mas aí ela começou a reclamar de tudo. Ela falava que eu não estava me esforçando e que eu deveria fazer mais.

- A sua mãe parecia ser um amor... - Comentei.

- Ela é um amor. - Me corrigiu com um sorriso. - Ela simplesmente não consegue ser assim comigo. - Falou. - Não mais...

Depois de algum tempo em silêncio, eu notei que era minha vez de falar.

- O meu irmão morreu de overdose. - Soltei e o Marcus olhou pra mim em choque. - Ele se drogou muitas vezes, mais vezes do que eu devia ter deixado. Ele sempre prometia que ia parar, tudo que eu tinha que fazer para ele parar, era não contar para os nossos pais, eu não contava, com esperança que ele finalmente parasse.

- E os seus pais nunca perceberam nada? - Perguntou ele me olhando com atenção.

- O Lorenzo sempre foi o filho perfeito e a pessoa perfeita, se eu não tivesse visto com os meus próprios olhos, ele se drogando e tendo a overdose, eu acharia que era um absurdo ele mexer com drogas. - Expliquei sentindo os meus olhos encherem de água. - Foi horrível o processo de tentar ajudar ele, porquê eu estava sozinha e eu não passava de uma garota com apenas 16 anos. - Deixei algumas lágrimas caírem. - Na noite que ele teve a overdose, a gente teve uma briga feia...

*flashback*

- Você não percebe que tudo que faz é se matar lentamente à cada "tudo bem" falso que você diz? - Quase gritei para atrair a atenção do meu irmão.

- A dor é o preço de quem vive, se você não quer sofrer, é só morrer. Eu tenho tentado parar de sofrer, e você é a única DROGA que tem me impedido de alcançar a paz. - Se aproximou de mim com ódio.

- EU TO TÃO CANSADA DE VOCÊ! - Bati no peito dele com ódio. - Esses têm sido os piores meses da minha vida por sua causa. A sua personalidade te consome e consome todos que estão por perto. Você nunca percebeu que destrói tudo que toca? Tudo o que está acontecendo é sua culpa e você age como se não fosse nada. Eu não consigo respirar por sua causa, eu não consigo viver por sua causa, eu preciso que VOCÊ me deixe. - Soltei tudo completamente exausta.

- Você quer ajudar todo mundo, mas do que adianta, se você não consegue se ajudar? - Zombou e eu encarei ele ainda mais enfurecida.

- VOCÊ NÃO QUERIA RESOLVER TUDO SOZINHO? PARABÉNS, VOCÊ ESTÁ SOZINHO.

- EU NUNCA PRECISEI DE VOCÊ, TUDO QUE VOCÊ FEZ FOI ATRAPALHAR.

- VOCÊ DEVERIA TER MORRIDO NO DIA QUE TENTOU. - Soltei com ódio.

Eu só fui perceber a gravidade do que falei quando o rosto do Lorenzo ficou completamente vazio.

*flashback*

- E naquela noite, eu acordei com ambulâncias na minha casa, levando o corpo do meu irmão. - Limpei as lágrimas do meu rosto.

- Eu lamento muito, meu amor...

- Nem sempre foi ruim assim, a gente tinha muitas memórias incríveis e ele me ensinou praticamente tudo que eu sei hoje. Eu amava ele, e eu espero que ele tenha dado o seu último suspiro sabendo o quanto eu amava ele.

O Marcus que estava deitado no chão escutando o meu passado atentamente, me puxou para um abraço.

Dessa vez, eu não neguei. Eu deixei ele me abraçar e eu abracei ele de volta. Afundei o meu rosto no seu peito e os seus braços ficaram em volta da minha cintura apertando.

Ambos precisávamos disso.

continua...

O Colégio InternoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora