Dura realidade veio à tona

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Querem drama? Toma drama

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Quando Clarke foi pegar os óculos na manhã seguinte, seus dedos esbarraram num pedaço de papel. Com a testa franzida, apanhou-o e aproximou dos olhos embaçados e inchados. Um cheque. Dela. De cinquenta mil dólares.

Ela sentou na cama e passou os dedos trêmulos por ele. O que aquilo significava? Por que Lexa  não ficara com o cheque?

As palavras da noite anterior voltaram à sua mente.

Aceitei sua proposta porque queria te ajudar.

Não porque queria ficar com ela, nem mesmo pelo dinheiro. Por pena. Porque ela era autista.

Um sentimento terrível a envenenou, e Clarke cobriu a boca para abafar os sons que sua garganta emitia. Ela pensou que estivesse conquistando o afeto dela. Pensou que era especial. Pensou que Lexa  poderia retribuir seu amor. Mas todo o seu tempo juntas não passara de um ato de caridade. Agora que a boa ação estava feita, a acompanhante podia seguir em frente.

A dor que sentia a atingiu de novo com força total, destruindo-a por dentro. Clarke não era uma boa ação. Era uma pessoa. Se soubesse como Lexa  se sentia, jamais teria feito a proposta. Não era um caso de caridade. Seu dinheiro tinha tanto valor quanto o de qualquer outra pessoa. Por que ela o recusara?

Esfregando o rosto irritada, ela disse a si mesma que era forte o bastante para aguentar aquilo. Não ia desmoronar por causa de uma mulher  que não a queria.

Clarke fez a cama com gestos bruscos e foi para o banheiro pisando duro. Passou o fio dental mentolado com tanta força que suas gengivas até sangraram. Chegou a pegar a escova, mas algum impulso a fez ir para o chuveiro antes. De forma deliberada, inverteu a rotina habitual do banho, esfregando o corpo de baixo para cima. Não era um robô nem uma autista disfuncional. Era o que era. E aquilo bastava. Podia fazer o que quisesse. Podia se transformar no que quisesse. Podia provar que todos estavam errados.

Quando saiu do chuveiro, estava ofegante. Faria mesmo aquilo, e faria direito. Quando terminasse, seria uma pessoa renovada e incrível. Merecia tudo aquilo.

Clarke se secou esfregando a toalha com força. Passou direto pela escova de  dente e foi até o closet pegar o vestido preto que Lexa  adorava. Ia usá-lo sem cardigã. Quem quisesse que olhasse.

Então voltou para a pia e enfim começou a escovar os dentes, vendo no espelho seus olhos faiscando de determinação. Seus cabelos estavam bagunçados, mas não pretendia arrumá-los. Não estava no clima. Outras mulheres permitiam que seu estado de humor afetasse suas atitudes, alterasse sua rotina. Por que não ela?

Depois de engolir a seco uma fatia de torrada, olhou para a casa vazia. Seu corpo clamava por ação, por mudanças, por violência. Não podia ser só mais um dia de trabalho. As pessoas não trabalhavam aos domingos. Quando as lojas abriam, saíam para fazer compras.

Encontravam outras pessoas e faziam coisas juntas.

O conceito de — junto—  não existia mais para Clarke.
Ela sentou diante do Steinway preto e reluzente e levantou a tampa.

Automaticamente, começou a tocar os primeiros acordes de — Clair de Lune— , mas era uma música lenta e romântica demais, que a fazia se lembrar de Lexa . Deixou de lado a partitura depois do primeiro crescendo. Em vez de permitir que a música voltasse ao ritmo suave, elevou o tom, impregnando-o de uma angústia melódica. Sua garganta se fechou, seu coração se derramava a cada nota.

Aquilo não bastava. Ela transmitiu ao piano sua raiva. Despejou nas teclas acordes em rápida sucessão, como as ondas do mar se chocando contra um penhasco em meio a uma tempestade. Onda após onda de pura raiva. Mas ainda não bastava.

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