Capítulo 56

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"Como vou desvendar
quem sou eu?
vou tentar
quando a imagem de quem sou
vai se revelar" — Mulan


A água gélida do rio não era tão fria quanto a sensação que Morgan sentia dentro de si naquele momento, diante das palavras de Aura. Ele temeu, temeu que esse dia chegasse. O dia em que ele fosse o único a esconder coisas, o momento em que seu raio de sol entregaria tudo de si ao amor que sentiam; o corpo, a alma e seus mais profundos segredos. Porém, não conseguia sentir-se feliz com aquilo, não quando ele ainda lhe escondia tantas coisas.

Ali, com aquele par de olhos cor de âmbar, tão presos no verde dos seus, Morgan pensou em contar a verdade. Obviamente, um pensamento que não durou um minuto sequer. O motivo se resumia ao fato de que não queria perdê-las antes do tempo estimado. Um grande egoísta? Sim. Porém, no momento, só queria desfrutar da paz que tanto almejava conquistar.

Se não fosse por aquelas palavras...

E então, como se Aura tivesse absorvido o que acabara de dizer, uma expressão de susto tomou-lhe o rosto.

— Oh não! Eu não quis dizer… — ela se interrompeu, corrigindo-se — Na verdade, eu quis sim.

Recuou um passo, o corpo trêmulo, enquanto sentia-se como se estivesse afundando, com enormes pesos amarrados aos seus pés.

— Não! O que eu fiz? Como pude ser tão egoísta? Florean tinha razão, eu não podia, e-eu não devia...

Lágrimas começaram a descer pela face da fada, o suficiente para que Morgan, até então imóvel, se aproximasse lentamente.

— Eu não podia ter permitido que você me amasse, tentei evitar no início... — E realmente havia tentado, como na vez em que não quis tocá-lo nas mãos. — Mas eu não pude, a cada momento, a cada conversa, a cada toque... Eu fiquei tão envolvida que eu só queria... Eu só queria ter você comigo! E-Eu não podia ter feito isso com você, não quando sei...

Antes que Aura pudesse terminar de falar, Morgan a puxou para seus braços em um abraço acolhedor. Ele a envolveu com seu corpo úmido e a apertou nos braços com mais força do que ele sabia precisar, mas Aura não se importou. Ela afundou o rosto em seu peito, deixando as lágrimas escorrerem livremente e soltando pequenos soluços em um choro sofrido. Havia tanta dor em cada pequena respiração, que Morgan sentiu-se o mais podre de todos os seres. Ele era a causa de tudo isso, pensou com amargura.

—  Você... Você não vai... — Morgan sussurrou, com os lábios colados ao topo da cabeça de Aura, em algo semelhante a um beijo. Ele nem havia percebido as próprias lágrimas escorrendo até que elas começassem a cair sobre os cabelos dourados da fada. — V-vai ficar tudo bem...

— N-não, não vai — Aura o cortou, apoiando as mãos em seu peito para criar uma certa distância entre eles e ergueu o queixo para olhá-lo. —  É o meu destino.

Morgan encontrou os olhos de Aura, vendo suas belas íris âmbar envolta em globos avermelhados e cheios de lágrimas, seus lábios tremiam e as mãos, geladas e trêmulas contra o peito do daemon, o apertavam com força, como se temesse que ele fugisse.

Mas Morgan não iria fugir. Não dessa vez.

Ele fungou, tirando uma das mãos dos cabelos de Aura para secar as próprias lágrimas, mas sem nunca desviar seus olhos dos dela. E Aura viu aquilo como um convite a continuar.

— E-eu menti para você durante todo esse tempo — sussurrou. Morgan queria desviar seus olhos, olhar para o chão, impedir que ela visse seus pecados através de seus olhos, mas não podia desviar o olhar. Aura o atraía como um imã, impedindo-o de desviar-se. — Meu nome não é Anne, é Aura... Eu sou a princesa de Alexandrita...

Crônicas de Flora e Fauna: A Maldição de AlexandritaWhere stories live. Discover now