VINTE E DOIS

3.7K 322 274
                                    

Juliette Freire.

Eu evitei responder as perguntas da Carla. Ela percebia que eu não estava bem, comentando meu abatimento e palidez. Mas eu desconversava. Pela primeira vez não desabafei com ela e nem contei o que me preocupava. Tinha vergonha que ela soubesse o modo humilhante e violento com que eu fora tratada.

Há quase três dias eu não via e nem falava com Sarah. Desde quarta-feira de manhã bem cedo, quando ela bateu na porta do banheiro avisando que Rodolffo me levaria para casa com Cecile. Sim, eu tinha passado a noite no banheiro aquele dia. Foi incrivelmente fria. Eu saí de lá humilhada e dolorida, com um ódio imenso dela. Passei aqueles dias apavorada, com medo que ela me chamasse e me machucasse novamente.

...

Era impossível comparar aquela Sarah bruta e violenta com a mulher que me deu tanto prazer todo esse tempo. Mas ela era a mesma mulher fria e que me desprezava.

Na madrugada de sexta para sábado eu dispensei Mary.

Dormia em meu colchonete, por volta das quatro horas da manhã, quando eu acordei com a voz baixa e fraca de Bil a me chamar. Levantei em um pulo, olhando-o. Meus olhos encheram-se de lágrimas ao fitar os seus, embaçados e foscos.

- Babe?

- Sim, meu amor. Sou eu.

Segurei carinhosamente a sua mão fria e inerte e beijei-a.

- Estou aqui.

- Não consigo... Me mexer.

Notei que ele estava consciente da realidade que o cercava. Há muito tempo isso não acontecia e um medo atroz me dominou. Lembrei que os médicos haviam dito que ele teria uma melhora relativa antes de falecer, recobrando a consciência.

- Sente dor?

- Não.

- Sede? Eu...

- Não. Não consigo te ver direito.

Seus olhos sem vida tentavam se fixar em mim. Percebi o desespero em seu rosto.

- Acabou, não é? Eu cheguei ao fim.

- Não! Você está aqui comigo! Vivo!

- Isso não é vida. - Sua voz era muito fraca e baixa. - Não posso nem tocar em você. Não posso mais nada. Acabe com isso, por favor. Acabe com o meu sofrimento.

Fiquei muda e surpresa, fitando-o. Ele foi mais explícito:

- Deixe-me morrer, Juliette. Ninguém vai saber, por favor, estou implorando. Você pode fazer isso.

- Não! Bil... Não! Eu não posso perder você. - Falei horrorizada, começando a chorar. - Nunca! Acha que eu poderia matar você?

- Eu já estou morto. Por favor, agora...

- Não! Vou cuidar de você, Bil. Farei de tudo para que não sinta dor e não volte para o hospital. Mas não me peça para ser a sua assassina. Isso nunca. Vamos esperar a hora que Deus quiser.

Apesar de seus olhos meio paralisados e de sua fraqueza, percebi sua expressão de raiva. Por um momento eu me lembrei que ele costumava ficar assim quando se sentia contrariado. Sempre fora mimado e voluntarioso, pois gostava que tudo fosse feito do seu jeito.

- Você é uma egoísta! Esperar a vontade de Deus! Essa é boa! Diz isso porque não é você nessa cama! Merda, não posso nem me mexer! Quando fiquei assim? Não consigo me lembrar.

- Bil... Não diz isso...

- Você sempre me amou. Sempre acabava fazendo tudo o que eu queria. Eu quero morrer, Juliette. Me ajuda agora.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora