VINTE E TRÊS

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Juliette Freire.

Eu o fitava, apavorada com tudo aquilo.

Como eu poderia prometer algo que eu já não cumpria?

E como Bil exigia algo assim de mim?

Isso era amor?

Desejar que eu me fechasse para vida aos vinte e oito anos de idade?

E eu? O que eu queria?

Não conseguia raciocinar com clareza.

- Você é minha. Só minha. - Ele murmurou, muito cansado.

- Sou sua, Bil, para sempre.

- Isso. Diga, diga...

Ele fechou os olhos. Sua expressão era horrível, muito retorcida pela tentativa de sorriso. Percebi um prazer perverso nele e tentei me convencer que era da doença. Não queria enxergar um homem frio e manipulador no meu marido, mesmo depois de tudo que ele dissera.

- Bil.

As pálpebras dele tremiam. Chamei-o baixinho diversas vezes. Por fim ele ficou imóvel, mergulhado na inconsciência. Fiquei olhando para ele por um tempo longo. Depois o ajeitei na cama e deslizei para o meu colchonete, com os olhos secos e uma decepção horrível me engolfando. Tinha a sensação ruim de que todo o meu casamento fora uma farsa. Bil ficou comigo porque eu era bonita e cobiçada. Ele sentia prazer com a minha devoção, o meu amor incondicional. Sentia prazer porque eu era dele e havia outros que me desejavam. Nunca fui mais que isso. Um briquedinho para ser cobiçada, mas que só ele poderia brincar.

Estava chocada, fria. Pensei nas vezes que via ele sair para as farras, nas desculpas que ele inventava, nas declarações de amor que me impediam de ir embora. Nas várias vezes que ele me decepcionou por ser fútil, por não querer trabalhar, por debochar do meu desejo de estudar e ser advogada. Nas brigas que ele sempre vencia, pois sabia que eu o amava e sempre dava um jeito de me enrolar com palavras doces e atenções que não duravam muito.

Dez anos. Eu havia vivido dez anos com um homem egoísta e mimado que só me via como um trunfo. Um homem que tivera a capacidade de pensar em me dividir na cama com um colega. Como eu pude me enganar todo aquele tempo? Passando por cima de todos os problemas, com a burra certeza de que ele me amava.

Eu não consegui nem chorar. Eu que chorava à toa, sentia-me seca gelada. Um boneco de repente abandonado por seu ventríloquo. Era assim que eu me sentia. Sem querer, a imagem de Sarah veio à minha cabeça. E tudo que Bil disse sobre ela.

Que ela me desejava. Disso eu sabia, pois fora clara a atração entre nós desde o começo. Mas o modo como ele disse, que Sarah me devorava com os olhos. Que até a sua própria mãe havia percebido. Se Bil não tivesse escolhido aquela época para se aproximar de mim, o que teria acontecido entre mim e ela?

Lembrei do que ela disse, após termos transado no sofá, no sábado antes da festa. Que ela poderia ter tirado a minha virgindade há dez anos, quando me agarrou no corredor. Por mais que eu me julgasse apaixonada por Bil naquela época, nós ainda não tínhamos nada e eu ficava realmente cheia de desejos por Sarah.

Ela poderia ter me seduzido facilmente. Talvez toda a minha vida tivesse tomado um rumo diferente. Mas eu me deixara levar por Bil, pelo amor doce de infância, por suas palavras de amor.

Ele era o meu príncipe encantado e Sarah a vilã, que nos humilhava e desprezava. Agora eu via que nada era o que parecia ser. Que eu me iludi. Todos nós éramos coisas diferentes do que parecíamos. Fechei os olhos, cansada demais para continuar pensando em tudo aquilo. Dez anos. Fizemos nossas escolhas e o é tempo imperdoável.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora