20. Daniel Mancini Vitale.

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Uma vez no presente, duas vezes no passado. Fico feliz que nos conhecemos, agora é até o fim.

Dândi.

Extraio totalmente a terra da cova recém-assentada, uso da força de meu pé e afundo a pá grossa na escavação sólida. São meio-dia e trinta e um, o reflexo do sol têm ganhado vida. Não hesito em mirar o céu, recebendo o calor em minha face.

Maldita seja essa pele efêmera.

Capturo os óculos escuros e os situo em meu rosto, tampando minhas vistas dos raios que trabalham dia-a-dia para danificá-los.

É de foder com o meu caralho.

Sou pego por mim mesmo em queixumes não entendíveis por detestar a maneira como o tempo parece brincar com meu corpo, inclino meu pescoço e reparo na cova que eu passei a manhã cavando; está bonita.

Agacho-me para conferi-la de perto. Eu chamo isto de passar o tempo para que sua mente não pife por lhe fazer enfrentar determinadas situações. Correr para o cemitério e se alimentar de cadáveres ou almas insuportáveis que escapam das trevas e perambulam pelo relento, enchendo o saco de humanos ainda mais insuportáveis me parece uma opção e tanta para desperdiçar meu tempo. Apesar disso, optei por dizimar meus recentes conflitos em cavar buracos para futuros corpos.

É um bom trabalho extra.

A ponta de minha língua passeia por meus lábios, molhando-os, sorrio curto e me reergo, trazendo junto a mim a grande pá, uma de minhas fiéis escudeiras. Rodeio meu corpo e avisto uma picape preta de porte GMC Sierra cruzar a estrada vazia do cemitério.

Retorço os olhos.

— Mais um pouco e eu conseguiria a minha emancipação. — É irremediável que a ironia não fuja de minha boca. — Ah, Namjoon, você não sai da minha cola.

O líder e, para o meu saco, um de meus melhores amigos abandona o comando de seu novo automóvel e adentra ao cemitério, ultrapassando sepulturas até que me vislumbre sobre pés fixos no chão e com uma baita pá em mãos.

— Como se sente? — Pondera em olhares, avaliando-me para garantir que não estou uma fera.

— Bem disposto. — Refuto.

— Oh, achei que chegaria aqui e me depararia com meia população morta. — Recita com plenitude.

— Não deixa de ser uma vontade, meu caro. — Enxergo a cova, minhas mãos sujas de terra, até meus coturnos atolados de lama e a barra da calça. Puta que me pariu. — Soprattutto, sono rilassato.

— Acredite, isso é bom, deveras bom. — Como eu, Namjoon observa o trabalho feito por mim. Parece um educador com mãos na cintura e olhar centrado na obra mais bem feita. Posso dizer que estou orgulhoso. — Considerei vir atrás de você ontem, quando soube do que aconteceu, mas presumi que fosse de sua preferência ficar sozinho.

Bingo, Namjoon. — Exponho um sorriso morto. — Não estava com saco para consolos.

— Não estou aqui para isso, você sabe. — Rende-se. — Vim lhe buscar, ainda me importo com seu bem-estar. — Pausa. — Estou segurando em minha boca todos os discursos que tenho para você, tenha pena de seu camarada.

Rio curto, concordando em acenos ágeis. Jogo-o a pá, certeiro, ele pega. Movo-me até que ultrapasse seu corpo e marche até a saída do sepulcrário.

— Foi uma entusiasmada e íntima madrugada, eu deveria fazer isso mais vezes. — Cantarolo, retirando a jaqueta suja de meu corpo. — Mas agora eu preciso de um banho, um longo e prazeroso banho.

ROCK MÁFIAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora