Capítulo 8 - Briga de Rua

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Se encostando em uma das máquinas, Vanessa fechou os olhos por breves momentos absorvendo a informação que havia recebido. Semanas se passaram desde o último caso, não iriam demorar para fazerem mais uma vítima.

— Como conseguimos entrar em uma dessas festas que Jhon comentou? – Vanessa perguntou de súbito ao encontrar com os olhos claros do lenhador. Naquele ponto ele já sabia que não se tratava apenas de uma piada.

— Eu sei que o chalé parece chato, mas não precisa ser tão radical.— ele brincou, mas tudo o que recebeu em troca foi um olhar feio.— Não é tão difícil quanto parece, mas você precisa parecer mais uma intercambista. Se você aparecer com essa postura e essas roupas, vão perceber que já é adulta o suficiente pra não estar lá.

Aaron se levantou, se espreguiçando com os braços para trás das costas. Após um longo suspiro de satisfação, ele se virou de costas para a detetive, sentando em frente a uma das máquinas.

— Vamos jogar uma partida e depois vemos isso.— Ele já estava pronto para receber uma frase rude da mulher, mas antes se virou em direção a ela.— De qualquer forma estamos no final de semana, nada acontece enquanto os pais estão de folga dentro de casa. Precisa pensar como eles.

Com um gesto, ele pediu que se juntasse ao jogo.

— Para você é fácil, já está acostumado a agir como eles. – Vanessa comentou de maneira ofensiva, mas sua observação foi interpretada como um elogio pelo lenhador. – Quantos anos você tem afinal?

Com o silêncio que recebeu em resposta, a detetive concluiu que mais uma vez precisaria engolir o orgulho e fazer as vontades do norueguês. Ao menos poderia alegar que havia encerrado suas atividades no dia.

— Não sou tão velho quanto pensam, mas também não sou tão novo.— ele estava com os olhos vidrados na tela enquanto escolhia o personagem que iria jogar.— E você, detetive?

Sem a encarar, Aaron sorriu de canto, como se esperasse a resposta para algo que se perguntou desde o início. Mesmo que não estivesse no clima de jogar, ela escolheu os personagens com quem mais se simpatizou, e o barulho do jogo sinalizou o início da luta.

— Você sempre foge das minhas perguntas. – Vanessa reclamou como se não fosse exatamente a mesma coisa que estava fazendo naquele momento. Era difícil montar o histórico de alguém tão caricato.

Por culpa de sua curiosidade, a detetive não prestou tanta atenção quanto deveria no jogo. Nem mesmo apertar todos os botões foi suficiente para impedir sua fatídica derrota no primeiro turno.
Com o peito estufado, o lenhador se ajeitou na cadeira, começando a formar um sorriso irônico no canto dos lábios

— Nem uma palavra. – Vanessa advertiu. Semicerrando os olhos para a tela, ela se concentrou na próxima luta. – O que acha de uma pergunta por uma pergunta?

— Justo. Eu começo.— O som inconfundível do vídeo game iniciando a luta soou pelo corredor de máquinas. Aaron segurou o joystick com precisão enquanto fazia os movimentos necessários para realizar cada combo.— Você prefere o frio ou o calor?

A pergunta completamente contrária ao que Vanessa esperava fez com que ela se distraísse, encarando o loiro e esquecendo de defender seu personagem, assim, levando um golpe fatal.

— Vamos começar com coisas leves, não quero invadir sua privacidade, e muito menos ganhar um olho roxo se eu cruzar a linha.— Ele comentou, sorrindo de forma travessa enquanto seus olhos não se desfocavam da tela quadrada.

— Prudente. – Vanessa julgou dando de ombros. Estava mais preocupada em ter um bom desempenho do que questionar. – Prefiro o calor, minhas mãos se tornam impossíveis de esquentar em dias frios. É incômodo.

Graças a concentração da detetive em defender e atacar no momento oportuno, o turno teve uma duração um pouco maior. Aaron não parecia interessado em pegar leve, ele era um veterano respeitado naquele lugar.

— Não que eu esteja impressionada, mas... – Vanessa prendeu a respiração no meio da frase quando a vida de seu personagem caiu pela metade, divagar não estava ajudando. – O que você passa no seu cabelo?

Uma risada gostosa escapou do lenhador, e num descuido, Vanessa conseguiu a brecha necessária para ganhar.

— Recentemente eu descobri algo chamado "condicionador", eu não sabia que isso  era usado depois de lavar o cabelo.— A mulher o encarou incrédula, mas ele apenas deu de ombros.— Por que está solteira?

A pergunta fez com que a detetive escorregasse a mão pelos botões de modo desajeitado, ela havia perdido completamente a noção de espaço.

— Cruzei a linha?— Ele perguntou, encarando a mulher e esquecendo por alguns segundos a tela brilhante à sua frente.

Evitando olhar diretamente para o lenhador, a detetive permaneceu analisando os pixels do jogo em uma tentativa falha de parecer indiferente sobre aquele assunto.

— Eu nunca disse que estava solteira. – Respondeu na defensiva. – É por escolha.

Embora nem sempre por escolha própria; aquela parte a brasileira achou melhor omitir para preservar sua integridade. Parte dela já havia sido perdida depois de tantas derrotas.

— Do que você tem medo? — Vanessa perguntou em seguida, tirando de si o foco da questão. As constrangedoras conversas sobre relacionamentos que tinha com seus amigos já era o suficiente.

— Corvos.— Ele respondeu de prontidão, mas a detetive o olhou de soslaio; não era aquela a resposta que ela estava esperando. — Me tornar uma pessoa como os meus pais.

Aaron comentou, tentando evitar ao máximo estender aquele assunto.

— Por que você quer tanto resolver um caso que não tem recursos, e obviamente não tem saída. Vai ter que vender a sua alma para conseguir alguma coisa.— O lenhador falou, num tom tão sombrio que causou um arrepio repentino na mulher. O rosto sempre gentil de Aaron no momento carregava um olhar frio.

Soltando os dedos do joystick, Vanessa desviou sua atenção para o homem parado em sua frente, fitando os olhos azuis como se o julgasse.

— Se vender minha alma fosse a maneira mais rápida, eu não pensaria duas vezes antes de negociar. 

 As palavras da detetive saíram em alto e bom som, não era uma reação comum para alguém quieta por natureza.

Enquanto o silêncio das falas era perpetuado entre o casal, a máquina de fliperama anunciou o fim do jogo de maneira repetitiva, esperando por um próximo comando.

— Quero acreditar que existe algo mais. Preciso dar um sentido para todas aquelas overdoses. Eu quero salvar todo mundo. – Vanessa admitiu seu desejo em voz alta como se precisasse se livrar dele, mas se arrependeu em seguida.

— É um fardo muito grande. Não se culpe nem fique se martirizando se não conseguir, não me parece um caso comum.— A forma como ele havia dito era calma, no seu tom costumeiro.— Você é competente, mas também tem que saber aproveitar a vida.

Com seu cotovelo, Aaron cutucou a costela da mulher ao seu lado. Mesmo não sendo algo que ela normalmente aprovaria, o loiro não parecia apresentar perigo algum com seu sorriso despreocupado e jeito largado.

— Quer voltar agora? Ou ainda tem tempo pra tomar mais uma surra no Street Fighter.— Com um jeito provocativo, ele se debruçou sobre o painel do fliperama, a encarando com o rosto deitado em seus braços.

— Não enche! Eu deixei você ganhar, fiquei com pena das suas habilidades medianas. – Vanessa retrucou no tom mais convencido possível enquanto exibia um sorriso arrogante.

Por alguns instantes, Aaron se sentiu egoísta por querer preservar aquela imagem só para si. Precisava admitir que aquela postura sádica combinava perfeitamente com a detetive.

— Precisamos voltar, os dias em Odda são desnecessariamente curtos. – Sem esperar uma resposta definitiva, a mulher tomou a frente em direção a saída. – Se não se adiantar vou te deixar para trás.

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