capítulo 9

69K 7.2K 8.6K
                                    

Já fiz isso mil vezes: entrar na sala de aula, atrasada. Mas dessa vez, me sinto mais vulnerável do que o normal. Uma vez que carrego a certeza, dos olhares vis e cheios de julgamentos. Aposto que esse incidente será comentado durante dias.

Respiro fundo, antes de seguir em frente. Puxo a porta da sala de aula, e entro. Assim como pensei, os olhares de todos caem sobre mim. Lembro- me de uma alcateia de lobos cercando sua presa.

Opto por sentar na primeira cadeira vazia que encontro.

— Atrasada de novo senhorita Kingsley?

O professor Miguel me questiona. Está de braços cruzados e me encara de um jeito como todos agora me olham.

Por favor, não me olhe assim.

— Me desculpe professor. Prometo que isso não irá se repetir. — respondo cabisbaixo.

Me sinto como um cachorrinho assustado. Enquanto Thomas está aparentemente bem. Nem deve ter sofrido metade do julgamento que estou recebendo.

Ele está sentando na penúltima fileira. Ao lado de todos os seus amigos. Inclusive Hilary. Ela me olha incessantemente, parece querer me dizer algo. Mas sei do que se trata.

Irá perguntar onde eu estava com a cabeça quando soquei uma bandeja no rosto do filho do dono da escola. Apesar de nem eu mesma saber onde estava com a cabeça.

— É bom mesmo não se repetir. Essa escola está virando uma zona. Pessoas como você deveriam ser expulsas! — alguém atrás da minha fileira, faz um comentário que me irrita profundamente.

Me viro para observá- la. Nem um pouco surpresa em ver como Hanna me olha com expressão nojenta estampada no rosto.

Thomas possui seus aliados. Ele sempre será protegido por alguém. A única pessoa vulnerável por aqui sou eu. Seja bem vindo a minha vida.

Não tenho voz suficiente para subornar alguém a ficar do meu lado. Penso como vai será meus próximos dias.

Gostaria muito de chorar. Mas não posso.

Não chore agora Scarllet, você vai ter tempo para fazer isso após o final das aulas. Lembre- se, vai ficar tudo bem. Ficaremos bem em algum lugar. Algum lugar longe daqui. Tento servir de consolo a mim mesma.

— Já chega senhorita Astrid. Isso já foi resolvido. Agora vamos voltar para nossa aula. — o professor anuncia.

— Ele mereceu.

Alguém dispara em meio a multidão de pessoas atrás de mim. Me viro para olhar, assim como todos fazem.

Um rapaz que não conheço disse aquilo. Nunca o vi antes por aqui. Talvez seja um dos novos alunos.

— Eu no lugar dela, faria o mesmo. Até pior. — ele continua.

— Você não sabe de nada, fique quieto. — Elena Brown defende.

Ela é mais uma das meninas que fazem de tudo para chamar a atenção de Thomas.

— Eu vi como ele estava a provocando de propósito. A vítima aqui é ela! — ele diz em bom tom. Parece se certificar que Thomas está ouvindo.

Thomas está sentando. Apenas ouvindo. Ele está me observando. Diferente de mim, ele não aparenta estar afetado com nada disso. Está mantendo sua expressão vasta e inexpressiva. Gostaria de saber no que ele está penando neste momento.

— Você deve ser um bolsista, não é? — Hanna interroga.

— Que fique claro para vocês, que por aqui não aceitamos esse tipo de comportamento bruto e deselegante. Já que são dessa laia, e estão aqui, ao menos procurem entender o lugar de vocês. — grita descontrolada deixando alguns dos bolsistas desconfortáveis.

O garoto levanta-se de sua cadeira bruscamente e a encara com uma expressão ameaçadora.

— Você ouviu isso professor? — ele perguntou.

— A vida toda eu estudei em escolas particulares. Mas suponho que você deduziu que eu venho de uma classe baixa por causa da minha cor de pele!

Hanna levantou de sua cadeira boquiaberta.

— O que você disse? — disse alterada.

— Parece que uma de suas alunas é racista professor. — ele disse. Uma vez que o professor também é afrodescendente.

O professor a encarou com uma expressão de choque. Eu consegui notar a tristeza em seus olhos.

Vindo de alguém como Hanna, eu não me surpreendo nem um pouco em descobrir isso.

— Senhorita Astrid, por favor sente- se em seu lugar. — o professor disse. Vi a decepção em seus olhos.

— Eu não sou racista! Se fosse, não teria amigos negros seu, seu — ela dá uma pausa, interrompendo o que estava prestes a dizer.

— Seu o quê? Termina a frase!

— Seu bárbaro! Vocês dois! São dois bárbaros. Expulsão seria pouco. Vocês não merecem frequentar esta escola. — seu rosto se contorceu em raiva.

— Já chega! Sentem- se, os dois. Ou mando para a diretoria.

— Não, eu ainda tenho muitas coisas para falar. — ela continua.

Talvez esse seja o motivo para ele não gostar nem um pouco de mim. Lembro- me da primeira vez que nos vimos. Algo em mim, despertou raiva nela. Ela nem me deu a chance de tentar fazê- la gostar de mim.

Sempre que podia, me tratava mal.

— Já chega. — Thomas diz para Hanna. — Eles são dois bárbaros e você é uma vadia descontrolada.

A cor fugiu- lhe de seu rosto. Inacreditável. Pela primeira vez, Thomas a adverte. Não só ela, como todas parecem estarem chocados. Inclusive eu.

Ela sentou- se em sua cadeira novamente. Em silêncio.

— Estão todos dispensados. A aula já terminou.

Ainda tenho três aulas para essa manhã. Péssimo dia para estar viva.

Tento ao máximo ir para a sala de aula de cabeça erguida. Embora ouça as risadas nos corredores, à medida que caminho. Alguns deles fazem comentários maldosos e insultos. Isso é um castigo.

Apenas siga seu caminho. Ignore-os. Siga a corrente de alunos em silêncio. Esqueça. Esqueça. O nó em minha garganta se forma. Aos poucos meus olhos enchem de lágrimas.

Enquanto estou caminhando, Elena põe o pé em meu caminho, me fazendo tropeçar de joelhos no chão. Ela é rápida o bastante para puxar o prendedor que segurava meus cabelos. Fazendo os caírem sobre o meu rosto.

— Eu disse que ela tinha cortado o cabelo. — diz aos risos. — É uma pena que está horrível.

Suas amigas começam a rir como se aquela piada tivesse graça.

Eu me levanto, e encaro.

— Isso aqui agora me pertence. — prende os cabelos pretos em um coque.

— Me devolva. — digo oprimida.

— Ou o quê? Você vai me jogar uma bandeja em mim? — ela dá risada. — Uau, você é ainda mais feia de perto Scarllet. Olha esse cabelo todo desbotado. Ele está horrível. Assim como o resto você. — ela enrola os dedos em meus cabelos e então dá um forte puxão.

As pessoas que estão em volta, começam a rir. Todo mundo ri. Exceto eu. Tento agarrar o último fio de esperança, de que não irei chorar. Não aqui.

Você estava certa diretora. Ninguém desejaria ser inimigo de Thomas Collin. Ser inimiga dele, me torna inimiga de toda a escola. Até mesmo inimiga de quem não conheço.

Eu caminho, ignorando- as. As pessoas nãos desviam do meu caminho, mas fazem questão de esbarrar em mim.

A última noiteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora