• ele me ama

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eu não saberia dizer qual parte de mim o deixava tão irritado: se eram os meus olhos, que na maioria das vezes olhavam para baixo, se eram minhas bochechas, que vez ou outra durante o dia se avermelhavam de timidez, ou se eram minhas mãos pequenas e finas, com as quais eu gostava de alisar as bordinhas da saia do uniforme enquanto andava pelos corredores da escola.

eu não sabia o que tinha feito para que ele me tratasse com tanta indiferença. no começo, no entanto, eu esperava sentir sua raiva a todo instante e a toda hora, mas isso não aconteceu: ele não tinha energia para me odiar todas as horas, então na maior parte do tempo ele me ignorava, e lidava comigo como uma parede invisível: ele não me olhava, não me ouvia, e não reagia à minha presença.

quando estávamos juntos na sala de aula e por ventura ficávamos sozinhos (porque raramente eu saia da sala, mesmo com permissão) eu tentava olhar em sua direção com esperanças de enxergar algo mais do que uma barreira, mas tudo o que conseguia ver era uma cerca de gelo ao seu redor. ele se recolhia de mim. e se tratava outras pessoas com frieza, a mim ele se dirigia com insignificância.

e eu sofria por isso.

pois meu segredo era que eu o amava.

eu gostava de todos os detalhes de yuta: ele era gentil com os animais e com a natureza. as vezes eu o observava em distância segura para evitar que me percebesse e sumisse, e ele geralmente estava sozinho, com seus fones de ouvido, jogando no celular. as vezes ele sorria, e eu não sabia o porque, mas agradecia ao que quer que o tivesse feito sorrir.

eu o via caminhando para casa depois das aulas, e ele gostava de andar por trilhas e de tocar nas folhas das árvores. e gostava de andar bastante, e de conhecer os lugares, e de falar pouco. ele era conhecido por muitas pessoas, mas não conhecia a metade delas. e acho que ele queria que fosse assim. ele não era desconfiado, ele andava e falava com muita segurança, ele só preferia o silêncio e a tranquilidade das coisas que aconteciam do jeito que ele queria. ele tinha o controle da sua vida e nada parecia o irritar, a não ser eu.

a primeira vez que nos encontramos foi também a primeira vez que soube que ele não gostava de mim. eu havia acabado de chegar na escola e ele fora o aluno responsável por me mostrar o prédio desconhecido. ele falou pouco, e me autorizou a falar muito menos. eu andei atrás de sua sombra alta, com medo de que até o meu andar o irritasse, e mesmo assim tinha certeza de que fracassava e de que com certeza eu estava o irritando. quando todos os locais me foram apresentados, e eu já estava confiante para andar no colégio sem medo de me perder, ele se virou para mim pela primeira vez e me disse com seriedade:

– você é muito irritante.

e essas palavras, acompanhadas da expressão no seu rosto ao dize-las, foi algo que demorei muito tempo para esquecer.

desse dia em diante, yuta fez questão de sair de todo cômodo que eu entrasse, de trocar de grupo se eu participasse, e de mudar de acento se eu estivesse próxima. as vezes, ele também fazia questão de esbarrar em mim enquanto saíamos da sala de aula para me olhar da cabeça aos pés e seguir em frente, me deixando para trás desconsertada: era que eu gostava de quando ele olhava para mim, porque na maior parte do tempo ele me tratava como se eu não estivesse lá. quando ele me olhava, eu existia. e era bom existir para ele, por alguns segundos.

mas não foi assim que eu soube que o amava...

eu sempre fui muito tímida e reclusa, e sempre parei de falar ao ser interrompida... tímida o suficiente para que virasse motivo de piada, e para que sofresse algumas agressões de pessoas agressivas e intolerantes. um dia, eu tive que me forçar a apresentar um seminário para toda a escola na feira de ciências, entretanto não consegui parar de tremer na frente de tantos olhares, e acabei esquecendo tudo o que deveria falar.

could you love me?Onde histórias criam vida. Descubra agora