Capítulo I - Dentes e Folhas

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Uma luz desgastante iluminava o corredor vertiginoso. Não tinha ideia de qual era a origem dela entre aquelas paredes fechadas, mas de alguma forma ela banhava o corredor em um azul enjoativo - quase dormente -, revelando os grãos de poeira pairando bem lentamente no ar, cintilando como algo místico. As paredes daquele longo corredor pareciam se distorcer a medida que ele o desbravava. A atmosfera onírica era predominante, principalmente no jeito em que o cenário movia ao seu redor. Tão lentamente, como se o tempo não tivesse influência ali. A sensação era de flutuar.

De repente, emergindo das sombras azuis como o mais estranho dos pesadelos no fim do corredor, despontou uma porta. O azul se espalhava como uma doença por sua madeira branca, lhe concedendo uma cor de mistério. Do alto, se projetando em relevo sobre a madeira pálida, um olho esculpido - também a fonte daquela luz peculiar - o encarava severamente, como se fosse capaz de julgá-lo por todos os seus pecados. E, apesar de parecer fazer isso, olhando no fundo de sua alma e revirando as entranhas de seus segredos, parecia também persuadi-lo para chegar mais perto, o atraindo para aquela estranha ratoeira. E mais perto, e mais perto, enquanto as paredes do corredor voltavam a se dobrar e o som de algo rastejando dentro das paredes se intensificava. Estava tão próximo; parecia que alcançaria a superfície lívida apenas ao estender a mão, quase sentindo a madeira áspera acariciar seus dedos.

E então, a realidade se distorceu outra vez, e enfim ele acordou.

Levantando em um salto súbito, por instinto seu olhar correu freneticamente para os lados. Uma floresta ameaçava engolir a clareira onde estava, as árvores emergindo aterradoras ao seu redor como se buscassem intimidar o novo intruso. As folhas sussurravam inquietas umas com as outras, contando segredos trazidos pelo vento que nenhum ouvido humano seria capaz de compreender. Porém, naquele momento, sob o farfalhar cabalístico e acusador, sentia elas apenas o julgarem.

O chiado de uma TV o fez virar bruscamente para trás. A televisão - pela qual havia saído, por menos crível que pareça - deu seus últimos suspiros de vida antes de apagar completamente, restando apenas sua silhueta refletindo friamente na tela. Cacete! - Pensou consigo mesmo, observando o objeto morto através dos furos de sua sacola de papel na cabeça. Seu principal meio de fuga daquele lugar tinha acabado de ir pro saco. Não que quisesse voltar para o lugar de onde tinha vindo... Mas não era muito mais reconfortante estar em uma floresta desconhecida e terrivelmente amedrontadora.

Bem... Quase desconhecida. Quando enfim acalmou seus batimentos cardíacos após o pesadelo e enfim deu uma boa olhada em volta, apreciou uma estranha familiaridade enraizada naquela paisagem nunca antes explorada por ele, o que o intrigou. Desde as ondulações das árvores sob a brisa noturna até o chuviscar de folhas pelo ar pareciam seguir um padrão já visto em algum lugar antes, exatamente igual. As raízes, os troncos, a relva e o casto luar banhando a clareira que compunham o cenário ao seu redor; tudo lhe indicava que já havia estado ali antes, mesmo que não pudesse recordar. Era como... Uma lembrança, porém, que ainda não havia vivido.

Talvez ele estivesse louco - ou lamentavelmente exausto -, e aquilo fosse apenas sua impressão. O fato era que não poderia ficar muito mais tempo ali parado, analisando suas condições. Aquele mundo era insano, e até mesmo a pacata quietude sinalizava perigo. Seria bom começar a se mover.

A questão era... Para onde ir? Agora sim, isso era algo com que se preocupar. Não havia pensando muito bem quando adentrou aquela TV, sem saber exatamente onde iria parar. Na verdade, nem sabia que poderia ir tão além através dela. A adrenalina naquele momento só o guiou para a rota de fuga mais próxima, longe do perigo que o assolava. Só não imaginava que esse longe seria, na verdade, lá na puta que pariu quase. Até havia perdido a droga do sinal, então estava mais perdido do que nunca.

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