Capítulo 7

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As finas páginas finais roçavam em meus dedos, enquanto o meu coração acelerava lendo sobre a morte tão dolorosa do herói. O fim da tarde se aproximava. Não estava nem um pouco empolgada para levar a bronca do meu pai, uma princesa não podia simplesmente sumir, algo que eu fazia muito. Talvez se eu não fosse a herdeira a implicância seria diferente, mas eu era. E precisava partir antes de escurecer. Talvez levar alguns guardas para dizer que não fui sozinha.

Olhei para meu livro, e então olhei para o sol. Meus dedos se agitaram em meu colo. Certamente mais um capítulo, o último capítulo, não faria tanta diferença assim. Era apenas mais um.

Não tive tempo nem de olhar para as letras gastas antes de escutar o relincho agudo de Carlota. Inclinei a cabeça ligeiramente, fazendo-a encostar nas pedras ásperas demais para ser minimamente confortável. Não tinha nada aparente da janela do estábulo, apenas a égua com pelo obsidiana. Porém, podia ser paranoia ou instinto, mas meu corpo lentamente se desencostou da almofada quentinha, meus pelos se arrepiando um por um. Como uma Elemental, entrar em alerta significava escutar qualquer barulhinho a metros de distância, o que deixava o silêncio que gritava em meu ouvido ainda mais assustador. Eu não escutava nem mesmo os guardas ao redor da casa.

Pulando do sofá, fui em disparada até meu quarto, onde nas gavetas eu guardava duas espadas pequenas. A sensação de estar sendo observada voltou à tona. Uma sensação forte que fez meu sangue acelerar, minhas mãos quase ficando dormentes. Andando rapidamente, mas sem causar um estalo, fui até o estábulo. Já não vestia mais o vestido de veludo, já que tinha minhas próprias roupas aqui, inclusive uma calça. Montei em Carlota, com as duas espadas na minha lateral, e a adaga pendurada na minha perna esquerda. O portão estava aberto, os guardas desacordados. Era uma armadilha, eu sabia. Porém, eu poderia ser pega aqui, ou mais perto do castelo. Meus olhos caçaram uma última vez o invasor antes de eu disparar pela estrada que ficava entre a floresta, descendo a montanha até o palácio.

A sensação me perseguia a onde quer que fosse. Mesmo mudando o caminho, desviando da estrada original, era como se um par de olhos quisesse perfurar minha pele.

Merda.

Minhas mãos se apertaram nas rédeas e as espadas pesaram em minhas pernas. Quem quer que estivesse fazendo isso pagaria caro. As árvores eram meros vultos com a velocidade de Carlota, e sua agilidade não abria espaço para erros. Até agora, nenhuma armadilha de verdade.

Aquela sensação tinha que vir de algum lugar, eu apenas tinha que focar.

Onde eu a sentia mais?

Minha cabeça disparou para o lado direito.

Onde exatamente?

Eu era Elemental, mesmo que não usasse meus poderes, ainda tinha os sentidos. Eu conseguia rastrear a sensação, eu sabia que conseguia.

Minha mão foi lentamente para minha adaga de ametistas. Eu tinha que conseguir. Fechando os olhos e focando somente naquela queimação, somente naquele par de olhos, eu apertei o metal gelado, sentido os pequenos furinhos que as ametistas criavam em minha pele. Eu conseguiria, tinha que conseguir. Me entregando para meus sentidos, a adaga estava em minha mão, e, de repente, voando até o topos das árvores que nos cercavam.

Ela sumiu e não voltou. Não caiu.

Em um piscar de olhos, um vulto preto pousou entre as árvores. Uma pessoa encapuzada, provavelmente homem. Mais que isso, Elemental. Ele dominava o ar e segurava minha adaga com luvas pretas. Desci de Carlota, deixando-a bem atrás de mim enquanto sacava minhas espadas.

Então era ele que andava me vigiando... Eu queria ver seus olhos, e depois arrancá-los. O homem segurou, posicionou minha adaga e depois jogou, não em mim. Em Carlota. Meus instintos foram mais rápidos, e antes que a adaga acertasse a égua no pescoço, uma de minhas espadas a acertou, as duas voando para longe depois do tinido do choque.

Meus olhos voaram para ele, mas dessa vez eu via em vermelho.

Golpe baixo, babaca.

Tentando isolar minha irritação, fazendo o vermelho se transformar em rosa, eu fui para cima do Elemental. Ele sacou uma espada longa e antes que fizesse qualquer coisa, eu deslizei pelo chão abrindo um corte na sua lateral. Não pareceu ter efeito algum, pois antes de eu me levantar a espada vinha em minha direção. Com as minhas duas armas em x, me defendi e ataquei, mas ele esquivou. Os golpes com a espada dele eram mais fortes, também tinham um alcance melhor, mas as minhas duas pequenas me permitiam ser rápida e ágil.

Meus esforços, logo percebi, estavam sendo em vão. Por mais que eu me defendesse habilidosamente de sua lâmina e meus ataques fossem rápidos, nunca conseguiria acertar. Aquilo estava ficando cansativo.

Eu tinha que acabar com a luta. Fiz um plano rápido e perigoso, se falhasse... não tinha volta. Lancei uma de minhas pequenas espadas na lateral do homem, quando ele desviou, e eu sabia que ele iria, abrindo o espaço perfeito. Depois disso não tive tempo para pensar, enquanto ele estava distraído, o alcancei, ficando atrás dele, puxei seu capuz para trás e, com a espada que sobrava, fiz o movimento para cortar sua garganta. Senti a lâmina beijando a pele clara, até que algo tocou a minha pele e minha mão ficou imóvel. Demorou um pouco para eu perceber que o frio queimava meu antebraço, se expandindo em minha pele até deixar minha mão dura como pedra. Sem controle, meus pés desequilibrados recuaram e eu só senti um choque contra meu abdômen, forte o suficiente para me lançar no ar. Estava indefesa, se eu não contasse meus poderes. E eu não contava. Não lutaria como Elemental. Nunca quis, e aquela batalha foi uma exceção, não aconteceria novamente.

Bati contra uma árvore, e a dor ondulou pelo meu corpo. Minha visão tentava voltar ao normal enquanto aquela figura encapuzada se aproximava cada vez mais em meus flashes de visão. O frio voltou, imobilizando meu corpo inteiro, até apenas o meu pescoço ficar intocado. Os poderes dentro de mim se contorciam, como se estivessem batendo em um portão, mãos entre as grades implorando para sair. Minha pele voltou a arder e não era de frio.

Não. Isolei os gritos dentro de mim. Se iria morrer, eu morreria como humana. Esse sempre foi o plano.

O homem agora estava perto, apertando sua lâmina contra meu pescoço.

— Eu acho, Guerreira de Keamanan, que você está escondendo algo. E eu quero saber o quê — ele disse calmo, sua voz rouca e quase sem ar que fez um arrepio correr pela minha espinha.

Eu não conseguia ver seus olhos, por mais perto que ele estivesse. A sombra de seu capuz era sua máscara, mesmo em pleno dia. Magia, com certeza. O homem não fez perguntas, mas mesmo assim a pele do meu pescoço foi beliscada pela lâmina mais fria que o próprio gelo que me prendia. Não demorou muito para sentir o sangue descer lentamente, até se espalhar como raízes em meus ombros. O gelo queimava minha pele, mas eu não deixaria meus poderes aparecerem. Já passei por pior e eles ficaram bem trancados dentro de mim.

Se eu conseguisse sair dali, o que não era muito provável, eu o mataria. Arrancaria seus olhos como o prometido.

O homem tirou suas luvas e sua mão ergueu para meu rosto. Eu não conseguia recuar de seu toque, por mais que minha cabeça tentasse estabelecer a maior distância possível, meu pescoço ardendo com o ângulo desesperado. Quando seu dedo estava prestes a tocar minha têmpora, a mão foi jogada para o lado. O encapuzado sibilou e eu percebi que uma flecha atravessava seu pulso. O gelo ao meu redor caiu e outra flecha passou em minha frente, cortando o ar com um chiado. Ele infelizmente usou seu poder de ar para desviar o que estava mirado bem em seu olho, até que uma névoa laranja o embrulhou, até o espião desaparecer.

Me virei para ver quem havia me salvado, por mais que eu já tivesse uma boa ideia. Jennifer se apoiava em uma das árvores, o arco já abaixado. Seu olhar era mais afiado do que a lâmina que acabara de me perfurar.

— Ótima mira — comentei, com um olhar que dizia: por favor, tenha piedade. Não satisfeita, eu continuei: — Bem no pulso, depois bem...

— Vamos logo, Calynn — ela rosnou, interrompendo meus elogios

Suspirando, forcei meu corpo, mais vermelho que os morangos dos meus bolinhos de aniversário, a levantar.

Mais uma coisa que ninguém me deixaria esquecer. Mais um sermão infinito.

Coroa de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora