Desavença

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Michael ficou paralisado. Sem reação. Millie já conhecia aquele comportamento.

A humana, ainda de costas, deu uma cotovelada no provável zumbi que estava atrás dela e sentiu que havia acertado um maxilar. Virou-se para trás, tirou a pistola do coldre e socou a testa do desmorto com o cabo. Deu um chute no abdome do inimigo e jogou o corpo desacordado no chão.

Quando parou para analisar melhor, ela percebeu que aquele zumbi era um dos "espantalhos vivos" da fazenda. E então se lembrou de que aquele não era o único espantalho do lugar. Olhou ao redor e viu que outros espantalhos vivos haviam de alguma forma desprendido do chão as estacas que perfuravam seus corpos.

Irritada, Millie tirou uma pistola da mochila e a jogou no parceiro, fazendo-o despertar de seu transe.

— Se você ficar parado feito um poste na próxima vez em que alguma coisa desse tipo acontecer... — ela amea­çou, lançando um olhar furioso.

Michael revirou os olhos. Não tinha medo dela. Ela que deveria ter medo dele.

"Meu Deus, no que eu tô pensando?" automaticamente se contrariou, balançando a cabeça "Eu não quero que ela tenha medo de mim".

Enfim, por mais que ele ainda estivesse irritado com Millie, muniu a arma e se preparou para atacar. Ela era sua parceira e seu objetivo de vida era protegê-la, independentemente da situação.

Ah, quer saber de uma? Ele não precisava daquela pistolinha ridícula. Dava conta daqueles zumbis com suas próprias mãos.

Os espantalhos se aproximavam. Millie tentou dar um tiro em um deles, mas acabou errando. Tentou atirar em outro, mas também errou. Se enfureceu de vez e deu dois tiros num terceiro, mas novamente errou. Xingou alguma coisa em espanhol.

— Michael, você... — percebeu que ele não estava ali.

"Aonde esse imbecil foi se meter?!" olhou de um lado para o outro. Então viu que ele estava em cima de um dos espantalhos, feito um lutador de MMA.

— Michael!

Ela foi correndo até lá e deu dois tiros na cabeça do zumbi inimigo, tomando cuidado para não atirar no parceiro.

— Eu te dei aquela pistola pra quê, seu animal?!

Michael levantou de cima do cadáver e limpou os joelhos sujos de pingos de sangue.

— Eu não preciso daquilo — foi correndo até outro espantalho vivo para retomar sua luta livre.

Ele agarrou os fios de cabelo de um zumbi e começou a bater sua cabeça contra o chão repetidamente. O som do crânio se rachando a cada vez que colidia com chão era melódico e satisfatório. Michael queria ficar ali fazendo aquilo para sempre.

Mas Millie logo chegou e estragou tudo. Ela arremessou o pé-de-cabra de Michael no braço dele:

— Você pode pelo menos me ajudar aqui?! — ela pediu, se afastando dos espantalhos vivos que a seguiam.

A paz de Michael foi toda embora. Jogou a cabeça do desmorto uma última vez no chão e se levantou, muito irritado:

— Você não tá vendo que é isso que eu tô fazendo? — acertou o pé-de-cabra na canela de um.

— Não parece — chutou o abdome de um espantalho. Ele estalou a língua num "tsc" de desdém. Aquilo levou Millie a seu limite:

— Qual é, vai me dizer que você ainda tá irritado por causa da casa? — berrou, enquanto dava três tiros na cabeça de um espantalho — Poxa, Michael, eu não tive nada a ver com aquilo! Para de descarregar sua raiva em mim como se eu tivesse culpa pelo o que aconteceu!

— Qual é, vai me dizer que você ainda tá irritado por causa da casa? — berrou, enquanto dava três tiros na cabeça de um espantalho — Poxa, Michael, eu não tive nada a ver com aquilo! Para de descarregar sua raiva em mim como se eu tivesse culpa pe...

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O morto-vivo apenas desviou o olhar, envergonhado de admitir que ele estava errado.

— Deixa esse seu orgulho de lado e tenta uma vez na vida pensar em mim! Você só sabe ser um egoísta inútil que dificulta a minha vida! — falou com uma rispidez nunca antes vista por seu parceiro.

Aquela simples frase de 27 palavras fez o coração morto de Michael se partir em mil pedacinhos. Se ele tinha uma certeza na vida era de que nunca havia deixado Millie na mão. Tudo o que ele fez, ele fez por ela. Ele sempre fez de tudo para protegê-la, para ajudá-la, para fazê-la feliz. Sempre a acompanhou e a apoiou em todas as ideias doidas que ela tinha. Por Millie, ele abandonou Serenity City e no fim a viu ser destruída.

Dizer que ele era um egoísta era mentira. Era injusto. Michael sentiu que todos seus esforços para defender sua parceira das injúrias daquele mundo foram em vão. Millie era uma ingrata que não lhe merecia.

Encravou seu pé-de-cabra no crânio de um zumbi.

— Se eu realmente sou um egoísta inútil, então acho que você não vai precisar mais de mim — disse, lançando um olhar cheio de ódio e decepção.

Jogou sua mochila na barriga dela e saiu dali em passos furiosos. Millie o observou saindo, incrédula. Tentou ir atrás dele, mas se percebeu cercada por espantalhos vivos.

— Michael, volta aqui!

Mas já era tarde demais. Seu parceiro já estava distante, e praticamente desaparecendo na escuridão.

Após o ApocalipseWhere stories live. Discover now