31 - somewhere only we know

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Eu não fazia ideia de que existia todo um sistema de transporte urbano funcionando em Monte Carlo, com uma frota de ônibus que atendia a praticamente todos os bairros do principado e que poderia me levar do apartamento até a galeria em menos de quinze minutos.

Charles fez questão de me levar no primeiro dia, obviamente, e eu não me opus àquele gesto carinhoso. Mas, sabendo que eu poderia contar com o transporte do Autobus para fazer aquele trajeto, garanti que ele não precisaria sair de casa todos os dias só para me dar carona, e que eu ficaria bem indo e voltando sozinha. Apenas dois dias foram necessários para que eu decorasse o número do ônibus e o caminho que ele fazia até a parada a poucos metros da galeria, e era curioso observar o funcionamento das ruas e o trânsito de pessoas em um dia de semana normal, sem o olhar de turista com que eu vira o principado nas outras vezes.

Algo que eu demorei mais um tempo para me acostumar foi com a alegria de voltar de um dia de trabalho e encontrar Charles me esperando em casa, geralmente tendo acabado de voltar da academia, onde ele treinava para manter o condicionamento físico antes do início da temporada da Fórmula 1. Todos os dias eu chegava empolgada com o andamento do projeto na galeria, contando sobre os relatórios e artistas e ideias que tinham sido a pauta do dia, e Charles sempre me ouvia com atenção, como se o que eu dizia fosse a coisa mais interessante do mundo. Claro que a parte de estarmos contando a história do automobilismo – a sua grande paixão – no país onde ele nascera e crescera era realmente algo muito fascinante para ele, mas até as questões burocráticas e contratuais captavam a sua curiosidade, e ele me enchia de perguntas e comentários que interrompiam o meu monólogo infindável.

A minha primeira semana como moradora honorária de Monte Carlo funcionara daquela forma, uma mistura da agitação do trabalho na galeria com a calmaria e aconchego que eu encontrava no apartamento e em Charles. Charlotte me entregara um documento contendo toda a história das corridas de Fórmula 1 que tinham acontecido ao longo daqueles 70 anos do Grande Prêmio de Mônaco, que eu li com muito cuidado e interesse, e que serviu de grande ajuda na hora de começarmos a analisar a lista de possíveis artistas e expositores que iriam compor a mostra. Em uma reunião que durou quase um dia inteiro, Margot, Jacques e eu percorremos as páginas de um extenso catálogo de peças, quadros e ilustrações sobre o Grande Prêmio, já selecionando alguns para que René entrasse em contato a respeito do contrato de exposição. Toda aquela parte ficava por nossa conta, passando pela avaliação e aprovação de Charlotte apenas quando chegássemos às etapas mais definitivas, e aquilo fazia eu me sentir importante e competente.

Ilustrações e fotos em preto e branco de carros antigos e que se pareciam muito pouco com as máquinas ferozes que eu vira nas minhas idas recentes aos autódromos serviriam para narrar o início das provas disputadas no principado, começando pela vitória de Juan Manuel Fangio com sua Alfa Romeo na primeira corrida em que Mônaco se tornara oficialmente parte do Campeonato Mundial de Fórmula 1. Eu relatava todas essas ideias para Charles depois de não ter tido forças para recusar que ele fosse me buscar na galeria na sexta-feira, já que eu me sentia particularmente exausta – apesar de muito satisfeita – ao final daquela semana de trabalho, e o monegasco mal conseguia manter os olhos atentos na rua enquanto me ouvia falar, seu rosto reluzindo de empolgação.

– Isso vai ficar incrível, Lena – ele arfou, tirando uma das mãos do volante para acariciar a minha coxa. – Sabe, eu acho que deve ter algum jornal daquela época guardado junto com as coisas do meu avô – Charles tocou o lábio com as pontas dos dedos enquanto conduzia o carro pela entrada da garagem do seu prédio. – Vou perguntar para a minha mãe – ele girou habilidosamente a direção com uma única mão para estacionar na vaga antes de completar: – Se vocês tiverem interesse nisso, é claro.

– Mas é claro que temos! – eu exclamei, sem nem precisar consultar a equipe para ter certeza. – Esse tipo de recordação agrega muito a uma exposição narrativa, vai ser ótimo.

ℛ𝑎𝑐𝑖𝑛𝑔 ℋ𝑒𝑎𝑟𝑡𝑠 [ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄ]Onde histórias criam vida. Descubra agora