Capítulo 16

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Ezra

— Ezra, o Issacarita! O grande comerciante nômade. Peregrino do deserto. Essas, entre outras, foram as descrições que me deram de você. Você é quase uma lenda no oriente...— Eu não sabia o que esperar do homem sentado à minha frente. Estávamos em sua sala particular, com cadeiras bem almofadadas e uma mesa de madeira que nos separava frente a frente. Nabal tinha o sorriso mais sádico que eu já vi. Não sabia se queria me bajular para ter uma negociação mais vantajosa, ou se ao mesmo tempo que me engrandecia, também estava arquitetando a minha morte. Comecei a ler seus trejeitos e percebi que fingia a elegância de um homem culto, mas que no fundo era apenas um homem banal, sem o mínimo de caráter. Jamais poderia dizer o que eu ouvi dele: 'um homem de difícil convivência, maligno em suas ações, inacessível, descontrolado e tolo.'

— Também ouvi muito falar de você— respondi

— Espero que tenha ouvido bem, ao meu respeito— sorriu, enquanto encostava as pontas dos dedos das mãos umas nas outras.

— Ah sim, ouvi dizer que és um dos homens mais ricos de Israel— me limitei apenas à está característica, enquanto sorvia uma taça de vinho.

— Ah, riquezas, bens, prestígio, fama! Sim, tudo isso eu tenho— sorriu olhando para o nada— e tenho uma bela mulher também. Sinto que não me falta nada..., mas e você? É jovem e rico não? Parece muito comigo, quando comecei — esta frase, me fez engasgar o vinho, o que me deixou de certa forma constrangido.

— Fico lisonjeado. — disse com voz quase esganiçada, enquanto recobrava o ar— mas é claro que o senhor é um homem muito mais influente, eu sou apenas um comerciante itinerante.

— Ora meu jovem, não importa o que faça, o importante é ter poder. Poder de obter aquilo que quiser e de ter as pessoas aos seus pés — sorriu novamente sádico— ouvi dizer que esteve em Gilgal.

— Sim, estive lá, inclusive em Jerusalém e...

— Soube de alguma notícia, sobre o palácio?

— Soube algo sobre Davi — lembrei-me

— Aquele que era pastor de ovelhas? — aproximou-se abaixando o tom de voz— Que tocava harpa, quando o rei estava perturbado?

— Sim, dizem que vai se casar com a filha do rei—ele soltou uma gargalhada estrondosa.

— Ah, Saul realmente perdeu o juízo. Dar sua filha, uma princesa, em casamento a um... criado!?

— Ao que me parece foi um prêmio por ter vencido o tal Golias.

— Que absurdo. Desse-lhe prata, ouro..., mas tornar-lhe genro do rei, é um pouco demais não acha?

— Se ele empenhou-lhe a palavra, deve honrar com o que prometeu.

— Hmm, então temos aqui um homem de honra e princípios. Gosto disso, é bom para os negócios. Gostei de você Ezra de Issacar— disse, apontando um dedo para mim.

— Vamos aos negócios, então — me ajeitei na cadeira, tentando cortar a conversa tola.

— Vamos aos negócios!

***

Após termos negociado as cem ovelhas imaculadas, com a lã da mais alta qualidade e fertilidade suficiente para multiplicarem-se cem vezes, fui chamado para me juntar a Nabal em seu banquete, preparado especialmente para mim. Já na sala de refeições, diante da grande mesa farta, lembrei-me da ovelha que encontrei no Mar Morto. "Como deve estar Yarin? De certo deve estar bem com sua senhora. Mas até quando? Não é problema seu, Ezra!" Pensava comigo, "não se envolva, você já fez a sua parte" tentava pensar assim, mas uma voz mais forte e consistente, quase audível, dizia o contrário: "É sua responsabilidade, acaso a salvou para deixá-la à sua própria sorte?" Nesse mesmo instante, a porta de madeira se abriu, e a esposa de Nabal surgiu com três moças seguindo-a. A primeira, uma moça de cor morena e cabelos muito cacheados, a segunda tinha o rosto redondo, e cabelos claros e lisos, a terceira, era com certeza a mais bela, com a cintura fina sob o vestido pardo, os cabelos castanhos longos e ondulados, as feições delicadas e gentis. Ela era toda formosa, mesmo aparentando estar abatida e um pouco pálida. Os olhos dela se encontraram com os meus, e nesse momento, senti uma pontada no peito, por perceber que eles estavam tristes. "Salve-a!" ecoava dentro de mim. Nabal sentou-se na cabeceira, eu à sua direita e a sua esposa, Abigail, à esquerda, enquanto suas damas permaneciam em pé à sua retaguarda.

Uma jornada pelo amor (Degustação) - Romance cristão Bíblico Where stories live. Discover now