𝚘𝚋𝚓𝚎𝚌𝚝𝚒𝚘𝚗 𝚋𝚛𝚎𝚊𝚔𝚒𝚗𝚐

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06h30 do dia 23 de fevereiro

— Bom dia! —  olhos abertos para me assustar com a imagem dele tão próxima a mim. Ele se afastou. 

— Bom dia, Richard! — movimentos lentos para me sentar na cama levando junto a coberta. Como se ele já não tivesse visto tudo aquilo. Situações diferentes. 

— Eu preciso ir trabalhar, mas dá tempo de tomarmos café juntos. — assenti, mesmo querendo fugir daqui. 

— Tudo bem. Você viu minha roupa? — sorriso, para que sorriso uma horas dessas? Não queria olha-lo sorrindo. 

— Está aqui. —  ele se debruçou sobre a beirada da cama para pegar as roupas no chão e me entregou-as. 

— E a calcinha? —  verifiquei novamente se não estava em minhas mãos. 

— Não pode ficar para mim? — sobrancelha levantada, eu estava duvidando que aquilo estava mesmo saindo da boca de um homem adulto — Eu estou brincando, não sei onde foi parar. Mas te ajudo a procurar. 

Alcancei a camisa dele da noite anterior, precisava me vestir antes de me humilhar por uma calcinha. Eu estava mesmo procurando uma calcinha pelo quarto de um homem? Deplorável. Nós dois agachados pelo quarto. Passei a mão em algo que parecia renda. Minha calcinha, finalmente. Vesti-a e me virei de costas para ele para terminar o serviço. Estava novamente em um bom estado. 

Café posto. Silêncio infernal. Nós não tínhamos tido tempo de conversar quando nos conhecemos. Estamos desconfortáveis, eu posso sentir que estamos os dois assim. Não tem palavras nessa mesa, apenas barulhos de mastigação. Consigo escuta-los, já que nossas vozes fugiram juntas. 

— O que você faz? —  ele quebrou o silêncio.

— Sou filhinha de papai. —  respondi sem pensar, era um hábito, mas ele não conhecia esse meu humor — Agora eu sou CEO da empresa de vestuário do meu pai. 

— Então você não é filhinha de papai. —  ele riu. 

—  Era apenas uma piada. Apesar de não parecer, eu trabalho bastante. —  abaixei o tom de voz na intenção de falar apenas comigo — Só não quero agora. 

— Hã? — uma mordida na comida para não ter que falar e um gesto com os ombros para indicar que não era nada — Não estou te apressando. Se quiser pode ficar por aqui. Mas eu preciso ir. 

— Tudo bem. Eu também. Eu trabalho, se esqueceu? — sorriso, o sorriso de novo, não precisa disso. Um beijo em minha testa junto com um abraço caloroso. 

— Vou tomar banho. Quer ir junto? — neguei, não precisava daquela interação, me sentia desconfortável.  

07h30 do dia 23 de fevereiro

— Posso te levar em casa? 

— Tudo bem. Meu carro foi levado por uma amiga ontem, esqueceu?

— Eu nem consigo lembrar como chegamos em casa ontem. — ele suspirou antes de beijar novamente minha testa. 

Ele me puxava até a garagem. Mas para quê tanto beijo e tanto carinho. Eu não precisava daquilo. Eu não queria aquilo. Eu queria o tratar só como mais um corpo. Por que ele dificultava tanto? Respira e conta até dez, Iara. Respira e conta até... O que era mesmo que eu ia fazer? Ele alisou minha coxa com carinho. Nada com segundas intenções, era carinhoso. Mas seja um cafajeste Richard. Seja um cafajeste... 

Gostar de homem sempre facilita essa parte. Quando não queremos nos abrir, dormíamos com um a cada dia para não se sentir sozinha e no outro dia éramos estranhos. Mal mal olhavam em nosso rosto. Jogadores não ficam para trás desses homens, meros mortais. Eu estou sensível, não devia estar pensando nesses seus gestos. Mas ele dificultava o intuito. Era gostoso e agora estava invadindo minha vulnerabilidade. 

Cruzei as pernas novamente e pigarreei. Deu certo, sua mão voltou ao volante. Pude voltar a respirar. Passei os ultimos minutos inteiros prendendo a respiração. Tática infalível  para não encher os pulmões de água. Eu não queria me afogar. Isso faz com que eu pense. O que será que meu pai pensou antes de morrer? Será que pensou em mim? Na minha mãe? A minha mãe... preciso ir até ela me desculpar. 

— Podemos mudar o trajeto? — não me olhou, mas assentiu.

Me dei a liberdade de trocar o endereço em seu GPS. Casa da Clarice Bianco. Com a roupa de ontem e cheiro de homem. Que bela desculpas você vai dar a ela. Que decepção você se tornou, Iara. Mão em minha coxa novamente. Levantei o olhar para ele. Já estávamos na porta do meu destino final. Se aproximou. Me afastei arrastando no banco. Seus braços me puxaram para o lugar de antes. Era um abraço. Aconchegante, como o do meu pai. Me desarmou. Meus braços desejaram o alcançar e o fiz. Envolvi-os em seu pescoço e acariciei com o polegar sua nuca. Ruborizei, fui fraca com um cara que troquei meias palavras. 

Richard tinha conseguido quebrar minha objeção. Será mesmo que eu queria homens que usavam meu corpo ou precisava de carinho. Estava sozinha, perdida e carente. Me desfiz com apenas um abraço e três ou quatro carinhos. O quão destruída eu estava para me abrir com tão pouco? Quebra de objeção: conseguir desfazer/desviar dos obstáculos, dúvidas e condições de quem está a sua frente. 

𝚝𝚑𝚎 𝚝𝚛𝚞𝚝𝚑 𝚘𝚏 𝚊𝚗 𝚘𝚋𝚜𝚎𝚜𝚜𝚎𝚍- 𝚁𝚒𝚌𝚑𝚊𝚛𝚍 𝚁𝚒𝚘𝚜Donde viven las historias. Descúbrelo ahora