𝚛𝚎𝚏𝚞𝚜𝚊𝚕

322 26 16
                                        

00h do dia 29 de fevereiro

Meu corpo coçava. Minhas pernas estavam completamente irritadas. Eram respostas aos meus questionamentos anteriores. Me levantei impaciente. Caminhei até o banheiro e antes de chegar a porta me virei. Voltei andando até a cama. Olhei para ele. Ele me olhava confuso. Mas não me importava. Eu era mais importante do que o que ele achava sobre mim. 

— Já está tarde. Vai embora. —  peguei a blusa dele em cima do criado mudo — Eu preciso dormir. — entreguei-lhe. 

— Como assim, Iara? — olhos espantados. 

— Eu quero dormir sozinha. Quero que você vá embora. Já deu por hoje. 

— Você é bipolar. —  sorri para ele.

— Não. Você que é insistente. Eu te disse não inicialmente. Tentei ser simpática. Mas já chega. Já pode voltar para o seu apartamento. 

— Você é maluca. — sorriso novamente. Empurrei-o da cama.

— Só descobriu isso hoje? Que pena. — me chamar de maluca foi um dos maiores erros dele. Ele não tinha visto nada — Anda, meu querido. Já são meia noite. Você tem que dormir e eu também. — bati os pés impacientes para que ele se levantasse. 

Desci em sua frente saltando alguns degraus. Queria chegar logo na porta. Abri primeiro o portão pelo interfone. Depois abri a porta e indiquei o caminho com as mãos. Sorriso largo no rosto. Eu era doente. Mas era mais eu do que um machinho meia boca que a única qualidade era transar bem. Ele passou por mim sem olhar na minha cara. Eu agradeci mentalmente. Se ele se afastasse eu só estaria ganhando. Assim que vi seu corpo passar completamente pela porta a tranquei. Nem me despedi, era melhor. 

14h do dia 1º de março 

Você é maluca; que merda você tem nessa cabeça?; me mandar embora do nada; não estava tudo bem?. Queria responder com uma carta. Mas não fiz. Porém para desabafar vou expo-la por aqui. 

Querido, Richard!

Sinto muito que você não saiba distinguir envolvimento carnal de sentimentos. Eu te disse muitas vezes o que queria. Disse que para mim não existiam homens capazes de tirar meu espírito livre. Te disse que eu era uma patricinha mimada gastando o dinheiro do papai por aí. Então, era esperado que eu não precisasse de você. Nem da sua fama e muito menos do seu dinheiro. 

Você foi tão inocente quando achou que eu estava disposta a receber de você carinho. Quando na verdade, eu sempre soube que esses seus carinhos nunca passaram de ego ferido. Eu era a menina que te tratava como você trata as outras mulheres. Por isso, você queria mais de mim. Na intenção de que eu me apaixonasse e você pudesse fazer comigo o que faz com o restante. 

Richard, isso é tão clichê que chega a me dar dó de você. Tão menino. Ainda não entendeu que no mundo existem mulheres como vocês. Homens não são mais espertos. Pelo contrário, são tão burrinhos. Fazemos de vocês um jogo. O seu eu venci e de goleada. Esse palavreado você entende, não é mesmo? Relaxe colombiano. Eu não tenho merda na cabeça. Eu só sou bem melhor do que você quando o assunto é amor. 

Não se preocupe. Você transa bem. Mas é só isso. 

Um beijo enorme 

A puta louca, Iara. 

Seria demais para ele. Então guardo para mim todas as palavras que gostaria de despejar nele. Guardo para mim tudo que aprendi sobre homens nesse tempo. Guardo para nós mulheres o quão espertas somos quando queremos ser. Eu preferia gastar minha energia em meus projetos empresariais e em descobrir mais corpos masculinos nesse meio tempo. Um cadáver a cada dia. Um sabichão acordando com cara de bobo a cada manhã.

Essa Iara era bem mais divertida do que a que se importava com sentimentos de alguém que não os tinha. Essa Iara era sagaz. Te engolia na cama e te cuspia no lixo. Era tão mais fácil. Eu podia terminar no fim da noite olhando uma janela sozinha. Mas nem sempre a solidão era ruim. 

18h do dia 1º de março

𝑇𝑟𝑖𝑛𝑔, 𝑡𝑟𝑖𝑛𝑔, 𝑡𝑟𝑖𝑛𝑔... Meu celular tocava insistente. Olhei a tela para conferir quem era. Revirei meus olhos. Como homens eram presumíveis. Ele estava atrás do que não podia ter. Pelo simples fato de que era difícil. Refaço minha fala. Como o ser humano é conjecturável. Nós gostamos de desbravar o impossível. É isso que nos move. Nós só damos valor as coisas que vem de forma morosa. Assim como somos complexos, desejávamos o enigmático. 

Ele não parava de me ligar. Eu comecei a recusar. Queria afirmar a ele a ideia de que eu não o queria. Não me afetava o que ele achava de mim. Não me causava emoção alguma vê-lo correndo atrás de mim. Pelo contrário, eu tinha certeza que ele estava se ridicularizando. Eu tinha pena de homens como ele. Eu não era um prato fácil de se fazer. Era gostoso. Demorado. Satisfatório. Mas daqueles que não comemos sempre. Ele já teve suas poucas vezes na vida. Agora eu recusava me servir em um banquete para ele. 

Recusa: atitude contrária ao reconhecimento de uma realidade de caráter traumático, como mecanismo de defesa. Eu já tive episódios demais em minha vida. Eu me recusava a deixa-lo ser mais um. Havia aprendido. 

𝚝𝚑𝚎 𝚝𝚛𝚞𝚝𝚑 𝚘𝚏 𝚊𝚗 𝚘𝚋𝚜𝚎𝚜𝚜𝚎𝚍- 𝚁𝚒𝚌𝚑𝚊𝚛𝚍 𝚁𝚒𝚘𝚜Where stories live. Discover now