Eu sempre soube que esse dia ia chegar. Desde o momento em que pisei nessa terra quente, vibrante e cheia de axé, eu sabia que a Bahia não era meu ponto final, mas sim o lugar onde eu precisava parar, respirar e lembrar de quem eu era. Só que agora… chegou a hora de voltar. E, meu Deus, como tá doendo ir embora." Acordei com o som das ondas pela última vez. O mesmo som que embalou meu sono por quase dois meses, como um mantra. O céu tava limpo, o sol invadindo o quarto, e meu coração dividido. Parte de mim queria ficar. Outra sabia que lá fora, o mundo me esperava: minha mãe, minha irmã, minha Kiara, minhas lojas, meus caminhos. Minha vida. Arrumei a mala devagar, dobrando cada peça de roupa com cuidado. Algumas peças nem voltariam - deixei alguns vestidos e bijuterias com uma menina da comunidade que conheci nas oficinas com a Jurema. Enquanto fechava o zíper da mala, olhei pro espelho e vi… uma nova mulher. Não a Hadassa que chegou cheia de mágoa, fugindo do que sentia, sangrando silenciosamente por dentro. Mas a Hadassa que dançou, chorou, se curou, e descobriu que tinha um coração cheio de vida batendo dentro de si - literalmente. Na recepção da pousada, as meninas já estavam esperando. Luísa, Ana, Michele… todas com olhares marejados e aquela energia de quem viveu coisa grande juntas. A gente se abraçou como irmãs que foram forjadas na mesma dor e renascidas no mesmo abraço de mar. Ana: Me promete que volta? — perguntou Ana, com a voz embargada. Hadassa: Volto. Mas vocês vêm pro Rio também. A gente não se larga mais, viu? - falei, tentando segurar o choro. Faltava ela. Jurema. Ela veio andando devagar, como sempre, com seu vestido estampado e turbante laranja vibrante. Na mão, uma sacolinha de pano. No rosto, aquele sorriso que eu já tinha aprendido a respeitar: calmo, profundo, cheio de mundo. Ela me abraçou. E eu desabei. Chorei nos braços dela como uma filha. Como quem agradece em silêncio por ter sido salva. Jurema: Você chegou aqui perdida, mas foi encontrada por si mesma, Hadassa. E isso… ninguém te tira. Hadassa: Você foi meu anjo, Jurema… Jurema: Não. Eu só fui canal. Quem se curou foi você. Ela me entregou a sacolinha. Jurema: Um presente. Só abre quando chegar em casa. Mas leva com fé. E lembra: o que cresce aí dentro precisa mais do que força. Precisa de paz. E você já aprendeu a cultivar isso. Beijei a mão dela com respeito. Ela sorriu, como quem diz “vai com Deus” sem precisar abrir a boca. Hadassa: Você foi a coisa mais linda que essa Bahia me deu. — dei um abraço apertado nela. Ela passou a mão na minha cabeça, me olhando com ternura profunda. Jurema: Eu vi você chegar com o coração estilhaçado, Hadassa. Vi o peso nos teus ombros, o silêncio dentro dos teus olhos. E hoje… hoje você tá brilhando. Tá com luz no ventre, com força nos pés, com doçura no olhar. Você tá pronta. Hadassa: Pronta pra quê, Jurema? Ela sorriu. Aquele sorriso misterioso que ela sempre dava antes de soltar uma verdade. Jurema: Pra voltar pro mundo. Pra ocupar teu lugar. E pra ser mãe. Não só de um filho, mas de uma nova versão de si mesma. Fiquei quieta. Sentia tudo isso na pele. Mas ouvir dela era diferente. Era como um selo. Ela continuou: Jurema: E sabe o que é mais bonito? Eu já vi. Vi você voltando aqui, nessa mesma varanda. Mas não sozinha. Vi você com uma criança no colo e outra correndo em volta da rede. Vi um homem do teu lado, te olhando como quem finalmente entende o valor do que tem. Arregalei os olhos, surpresa. Hadassa: Um homem? Jurema: É. Mas não te digo quem. — ela riu. — Porque o futuro não se conta todo, senão perde a graça. Só te digo isso: você vai voltar. Mas vai voltar inteira. E com o coração cheio. Com vida nas mãos e paz no peito. Eu chorei. Dessa vez em silêncio, com a cabeça baixa e a mão sobre a barriga. Hadassa: Eu não sei se tô pronta pra tanto, Jurema… Ela segurou meu rosto com as duas mãos: Jurema: Tá sim. E quando duvidar, lembra de quem você era quando chegou… e olha pra quem você é agora. Quem enfrenta o próprio abismo e volta com flores na mão, tá pronta pra tudo. A gente se abraçou ali por longos minutos. O tipo de abraço que cura o que nem nome tem. O tipo de abraço que gruda na alma. Antes de me soltar, ela disse baixinho no meu ouvido: Jurema: Vai com fé, Hadassa. O mundo precisa de mulheres que voltaram de si mesmas. E você… voltou. Quando entrei no táxi, ainda com os olhos molhados, abri a sacolinha que ela me deu. Dentro, uma fita do Bonfim, uma vela branca e um bilhete escrito à mão: "Pra quando esquecer quem é, acende. E lembra: você é axé, é ventre, é caminho." A Bahia ficou pra trás fisicamente… mas tudo dela, tudo de Jurema, veio comigo. E quando eu voltar… Não volto sozinha.
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Obrigada Bahia, obrigada por tudo! Foi aonde eu renasci de várias formas. Eu fui feliz ✨✨✨