Réquiem. Capítulo 8

1.8K 136 46
                                    

Comprou dois ramalhetes de flores na floricultura que ficava na porta do cemitério municipal de Cântico e entrou. Sabia exatamente onde era o jazigo da família. Atravessou três corredores estreitos e virou no quarto. O cemitério era grande e era a único na cidade, o jazigo ficava no final do estreito corredor. Atravessou rapidamente, passando por diversas lápides, com vária fotos e algumas ela até conhecia.

Parou de frente para a construção de mármore, alta, com seis gavetas de pedra escura. Amarrou os dois ramalhetes nas alças das duas primeiras gavetas. Na primeira estava Lavínia, na segunda Vitória. O total da construção ficava uns trinta centímetros mais alto do que ela.

Ficou parada olhando as fotos de sua mãe e de Lavínia. Para Valentina só restava Enrica, enterrou o pai, a mãe e a irmã mais nova. As duas sorriam nas fotos que estavam as gavetas com as inscrições de nomes e datas, de nascimento e de morte. Lavínia demonstrava uma certa vitalidade, uma alegria no olhar, como no dia que a viu em sua exposição, em São Paulo. Não conhecia aquela foto, não sabia nem quem a tinha escolhido, não esteve ali para saber ou acompanhar nada. Porque estava ocupada demais fugindo e se escondendo, exatamente o que queria agora.

O que poderia fazer para se sentir diferente? O que? Perguntava a si mesma, perguntava para as fotos que via, mas aquilo era só uma construção em mármore, nada mais. Não seria ouvida, não seria respondida. Nada. Sentiu lágrimas finas escorrerem pelo rosto, por que? Por que? Por que? Queria tanto responder aquelas perguntas, ao mesmo tempo que não queria se perguntar mais, pois todas as suas perguntas eram para aquela construção fria, para o vácuo, não teria resposta. Pensava no que Antônia havia lhe dito no dia anterior, no que fez a ela todo esse tempo. Só conseguia enxergar erros, em cima de erros, nunca errou de propósito, e alguém errava de propósito?

Se encostou no túmulo e chorou por tudo, pediu desculpas as duas, mas ninguém iria ouvir, era tudo em vão, não o fez quando pode, não aproveitou a chance de concertar as coisas com Lavínia, não conseguiu nem ter uma conversa definitiva com a mãe. Escutava apenas o silêncio do local, o vento. Mas de repente sentiu que não estava sozinha. Olhou para trás e viu Atílio, segurava um vazo de flores que deixou ao lado do túmulo.

- Não é sua culpa – Ele disse segurando seu ombro. Se abraçou a ele e aos poucos acalmou as lágrimas, o choro. Foi conduzida por ele e quando deu por si já estava fora do cemitério. Atílio a colocou na caminhonete azul que Valentina estava usando e foi ele quem assumiu a direção. Valentina nada dizia, se deixou levar pelo amigo, confiava nele. Atílio morava em um bairro pequeno, mas com várias casas. Estacionou o carro na rua e entraram pelo portão de madeira pequeno. A casa era pequena e bem arrumada, Valentina esteve ali pouquíssimas vezes ao longo dos anos em que ele morou lá. Sentou no sofá da sala quando entraram. A sala estava bem iluminada pela luz do dia, não era um sol forte, mas era um dia bastante claro. Atílio saiu e voltou com um copo cheio de água que Valentina bebeu quase todo, antes de deixa-lo na mesinha de centro a sua frente.

Ele se acomodou no sofá, ao seu lado, Valentina estava com o corpo meio inclinado para frente, apoiando os braços nas próprias pernas. Cansada, sempre cansada.

- Você sabe por que Domingos foi embora para Campo Grande?

Ouviu aquela pergunta vinda dele e não entendeu direito. Olhou para Atílio e franzindo o cenho respondeu:

- Por que ele se apaixonou por Joaquina. Segundo minha mãe eles eram amantes há um tempo e um dia decidiram fugir juntos...

Atílio desviou o olhar do dela e balançou a cabeça afirmativamente. Puxou a respiração como que para tomar coragem por tudo o que diria a seguir.

Destino Insólito (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora