A Multa

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para Camila Rodrigues

Obsessão? Suposta apresentação repetida do demônio ao espírito? Apego exagerado a um sentimento ou a uma ideia desarrazoada? Motivação irresistível para realizar um ato irracional e compulsivo? Ação de molestar com pedidos insistentes? Impertinência? Perseguição? Vexação?

Obsessão!... Apenas obsessão.

Meu nome é Lissa. O sobrenome não importa. Aqui, o que vale a pena dizer é o que me aconteceu. Sim, este é o meu relato, e não espere que esta história que se inicia termine bem - é o que eu mais queria, mas às vezes exercemos papéis desagradáveis; nem sempre a mais bela das atrizes desempenha a personagem mais querida.

Em um sábado atípico, há uns três meses atrás, e eu precisava respirar a impureza do ar urbano, sentir o mormaço das noites quentes da capital, encontrar alguns amigos e colocar as novidades em dia. Acalme-se, não perderei tempo aqui descrevendo detalhes sórdidos, somente um ou outro que julgo necessário para manter aquecidos os próximos parágrafos. O primeiro detalhe apresentado é a minha roupa que não estava nada adequada para uma noite maravilhosa em um local de bacanas: um jeans negro comum, uma blusa mais solta de cor azul vibrante e uma sapatilha tão insignificante que não me permite nem o prazer da descrição; os cabelos estavam presos em um tradicional rabo-de-cavalo e a única vaidade à qual me sujeitei foi um pouco de creme hidratante nos braços e um jato longínquo da minha melhor fragrância.

Logo eu que sou obcecada pelo belo feminino, pela boa apresentação, pensava enquanto me dirigia ao estacionamento de casa. Hoje eu não serei o peixe do mar de ninguém!

Desativei o alarme do meu sedã e acelerei rumo à Rua da Lama. Liguei o rádio numa programação divertida e pus o volume nas alturas. Não cantei as minhas músicas favoritas, tampouco dei atenção ao que ali tocava. Simplesmente direcionei meu foco ao trânsito. Não carregava bolsa, não usava colar ou pulseira, não usava maquiagem; carregava comigo somente algum dinheiro e o celular no bolso.

Então uma vibração me trouxe à realidade por trás do volante. Liguei a seta para a esquerda e estacionei ali mesmo - não me lembro em que local estava e nem que horas eram, só me lembro que a noite estava bela e com algumas poucas estrelas no céu; a lua estava em Escorpião desde o dia anterior e não houvera nenhuma manifestação de desejo sexuais em mim. Com o carro parado, atendi à ligação, respondendo monossílabas em concordância ao que ouvia da minha amiga Nanda, que me dava as coordenadas do local onde eu deveria ir.

Assim que desliguei o telefone, um homem uniformizado bateu no vidro da janela e pediu para que eu o abaixasse. Desliguei o rádio imediatamente e abaixei o vidro.

- Desculpe o incômodo, mas sou policial de trânsito e devo notificá-la por estacionar em local indevido.

- Mas foi uma emergência - tentei argumentar, sem sucesso. - Ou estacionava no acostamento ou atendia ao volante, o que seria bem mais irresponsável.

- Sinto decepcioná-la, mas não há nenhum acostamento por aqui, o que comprova a sua desatenção ao volante.

- Mas... - fui interrompida.

- Não há mais tempo para discussão. Se tivesse me atendido assim que lhe chamei, o quadro poderia ser outro - ele tinha mesmo me chamado? - Já está tudo feito. Tenha uma boa noite. - E saiu.

Desgraçado! exclamei enquanto dobrava o papel e o colocava no bolso, já dentro do carro. Por um instante tudo se revoltou dentro de mim. Então engatei a primeira marcha e pisei no limite até a Rua da Lama.

Gastei cerca de mais dez minutos até lá, e mais cinco procurando uma vaga para estacionar. Por coincidência - ou seria perseguição? - estacionei uma vaga atrás do esportivo de Nanda e, assim que me viu, saiu do carro e veio ao meu encontro.

Uma Taça de ObsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora