Capítulo 29 - Fantasmas

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A minha consciência tem milhares de vozes,

E cada voz traz-me milhares de histórias,

E de cada história sou o vilão condenado.

William Shakespeare


O táxi estacionou sem pressa, as rodas crepitando sobre o asfalto molhado da madrugada. De uma das portas de trás desceu o rapaz de moletom cinza escuro com o capuz sobre a cabeça para se proteger da fina garoa que descia como uma lembrança da tempestade de horas antes. Ele pagou um valor alto ao taxista pela corrida e pela discrição, então deu a volta na traseira do carro e abriu a porta do outro lado, onde uma figura feminina se apoiou em seu ombro para caminhar, os cabelos negros também protegidos por um capuz. Ambos agradeceram ao motorista e viram o carro seguir seu rumo enquanto se apoiavam melhor um no outro para seguir em frente.

O grande portão de arabescos retorcidos erguia-se entre os altos muros amarelos, dizendo às pessoas de fora que elas não eram bem-vindas, não importava quem fossem. Não importava nem mesmo se as pessoas fossem Marinette, uma garota ferida precisando de abrigo ou Adrien, o rapaz que era, mesmo após tantos anos, o legítimo dono daquele lugar.

O caminhar de ambos era cambaleante e quem soubesse da situação dos dois diria que era por causa dos ferimentos de Marinette, mas quem mais demorava a colocar um pé em frente ao outro era Adrien. A cada metro que os muros e o portão cresciam frente aos dois, mais memórias reapareciam dentro da cabeça do garoto, sendo transformadas em toneladas que começavam a pesar em suas costas e dificultar seus passos.

"Você tá bem?" Marinette perguntou ao perceber que o braço de Adrien que lhe apoiava começou a flexionar com uma força fora do normal ao redor dela.

"Sim." a palavra saiu tremida o suficiente para que nenhum dos dois acreditasse nela, mas em um acordo silencioso não se falou mais sobre aquilo.

Chegando à beira do portão Marinette afastou-se de Adrien, esperando que ele pegasse a chave do grande cadeado que cerrava a entrada da mansão. Todavia, o rapaz não se moveu. Os olhos do rapaz ainda estavam fixos no ferro negro que o separava da entrada da casa, o rosto encharcado em suor. Marinette respirou fundo e estendeu a mão na direção do loiro, flexionando duas vezes os dedos; um pedido que ele atendeu sem pensar duas vezes, entregando o molho de chaves a ela.

"Eu faço isso aqui, mas aquela lá é sua." ela falou olhando para a porta da grande casa enquanto girava facilmente a chave no cadeado dourado, abrindo-o com um estalido e soltando as pesadas correntes que desceram por entre as grades, o bater metálico ecoando pela rua deserta.

Adrien ofereceu novamente o apoio do braço à Marinette, mas ela sacudiu a cabeça negativamente. Queria andar sozinha sobre as próprias pernas e com as próprias forças, mas mais do que aquilo queria ver Adrien fazer o mesmo. Entregou as chaves de volta nas mãos do rapaz e recuou, esperando que ele caminhasse em direção ao lugar de onde havia fugido por tanto tempo.

"Você quer que eu te deixe sozinho pra-"

"Não!" Adrien virou-se bruscamente em um brado suplicante e Marinette vislumbrou os olhos verdes iluminados pelo poste da rua agora quase negros pelas pupilas dilatadas em tensão "Não." ele pigarreou e consertou o tom de voz, virando o rosto claramente envergonhado consigo mesmo pelo descontrole emocional "Prefiro que você fique por perto."

"Tá, tudo bem. Então eu fico." Marinette assentiu e manteve-se logo atrás dele.

Ela o viu olhar na direção da porta da mansão como se à frente houvesse um gigantesco inimigo a ser derrotado. Como se algo fosse capaz de tirar a vida dele ali mesmo caso ele desse um passo em falso. E pela ofegância de Adrien e a maneira incerta com que ele caminhava, Marinette quase acreditou que a vida dele estava mesmo em risco, mantendo-se sempre um passo atrás.

DépendanceOnde histórias criam vida. Descubra agora