Teorias

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O ser humano não faz sentido. Eu escutei isso uma vez de uma pessoa que admirava muito, depois daquele dia nada foi capaz de superar essa verdade. Era um absurdo muito grande para minha capacidade de compreensão o que as pessoas eram capazes de fazer em nome de suas crenças, qualquer tipo de crença que elas tivessem. Depois de estar dentro do Labirinto era uma grande ironia pensar em tudo o que havíamos pensado e falado sobre ele um dia. Tudo o que eu vivi se perdia aos poucos em uma névoa do passado cada vez mais distante assim como meus dias lá dentro.

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A maioria das pessoas gostavam particularmente de sábados e domingos, eu tinha um gosto especial por quartas-feiras, um segredo sobre mim: eu adorava a escola. Tudo bem, nem tudo era realmente fascinante e divertido, mas tinha alguma magia no ar nas quartas-feiras, eu sentia uma verdadeira devoção por tudo o que pudesse nos fazer entender um pouquinho mais do mundo e isso tornava aquele o meu dia preferido - a aula de história antiga com o professor Willian. A pior parte era acordar cedo, obviamente, eu nunca lidei bem com isso. Mas, depois de derrubar o despertador no chão num desastroso acidente, vestir o uniforme correndo e jogar a mochila nas costas, eu tinha tempo o suficiente para caminhar até o colégio naquela manhã fria.

Geralmente eu e Zac nos encontrávamos em frente de casa e andávamos juntos até o colégio, haviam duas exceções: segundas e quartas-feiras, nas segundas ele tinha aulas mais cedo e nas quartas era eu quem entrava primeiro. Muitas vezes eu tinha vontade de acordá-lo e fazê-lo me acompanhar só para ter companhia pelas ruas da cidade, ele havia feito isso ao menos duas vezes alegando ter errado o dia mas eu tenho quase certeza que não foi realmente sem querer. De qualquer forma, andar sozinha não era a pior coisa de se fazer, era como sentir completamente o mundo a minha volta - como se eu fosse parte de um grande mecanismo em constante funcionamento. Isso era ao mesmo tempo fascinante e assustador. Como ver tudo ao redor, as pessoas passando por você, os carros, mais um elo da sequencia da máquina do mundo funcionando e saber que você está ali no meio do universo.

Quando virei a rua entrando na avenida principal o vento frio fazia meus olhos lacrimejarem, me protegi com o capuz da blusa e segui até o fim em direção ao parque da cidade. A cidade estava acordando e já se movimentava com uma sincronia cotidiana, a avenida começava a se encher àquela hora com as pessoas indo trabalhar e meus pensamentos distraídos se esbarravam na pressa das engrenagens do dia a dia. Eu chequei o horário no relógio do canteiro central e atravessei a rua junto com o fluxo de gente que passava correndo sobre a faixa de pedestre, na metade do quarteirão cruzei os grandes portões a direita para cortar caminho pelo parque - meu colégio era um prédio imponente exatamente do outro lado.

Eu seguia por uma trilha de paralelepípedos que atravessava toda a extensão do parque com algumas ramificações para pequenas praças e subáreas. Na região central alguns bancos circulavam uma fonte com um monumento de mármore no meio no formato de uma balança com dois pratos em perfeito equilíbrio. Ironia da vida, acho que eles queriam homenagear a justiça dos Deuses, o Labirinto ou a própria Justiça mundana... Ou era uma referencia ousada a uma tentativa de sermos sua imagem e semelhança. Existissem os Deuses ou não, eu adorava aquela fonte e a perfeição da sua ideologia. Eu adorava ver os passarinhos pousarem sobre os pratos com água, especialmente quando eles o faziam em quantidades diferentes em cada lado. E, se tudo existia num estado de tanta perfeição quanto aquela fonte representava, eu me perguntava se o Senhor do Caos agia tão discretamente quanto a Justiça em cada detalhe das nossas vidas mantendo a sincronia do mundo em ordem, assim como uma borboleta que voava sobre a fonte, ou se a ordem regida pelos Treze não passava de uma ilusão que gostávamos de acreditar.

A imagem da fonte me deteve mais do que deveria, a visão dos pratos por onde eu vinha dividia todo o resto do parque - assim como parte da cidade - dali para a frente em duas metades como se a balança medisse ela própria o nosso mérito. Era uma imagem maravilhosa, como se por alguns segundos nos quais você passasse por ali fosse possível ver os Deuses julgando toda Cristalyn e eu os escutasse questionando cada um na cidade com um breve sussurro "Você merece?". Naquele momento eu tinha certeza absoluta da existência Deles por mais humano que fosse aquele objeto, tamanha era sua perfeição. Então um garotinho passou correndo ao meu lado e percebi que ainda estava parada diante da grande balança. Eu esfreguei o rosto, conferi a hora e apertei o passo para cobrir a distancia que faltava até os portões para a rua do outro lado do parque.

O Labirinto dos DeusesWhere stories live. Discover now