16. Recuperação

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A poeira era intensa por toda a estrada, ofuscando o sol, que tentava se impor, no céu, acima dela. Por onde o ônibus passava não se via mais nada além daquela cortina alaranjada cobrindo tudo. As plantas que ladeavam a estrada eram da cor da terra local, o verde das folhas oculto pela camada de pó. Os buracos na estrada pareciam maiores e incomodavam ainda mais.

Durante todo o trajeto, Porãsy passou mal. A cabeça e o corpo doíam muito. Para piorar ainda mais a situação, ela estava com fome. Porãsy pensava que, se não chovesse e aquela poeira continuasse, tudo que a sua garganta havia melhorado corria o risco de piorar de novo. Precisava chover. Com certeza, precisava chover.

Era quase meio-dia e estavam voltando para casa. O garoto lindo que andava com o garotinho loiro, e que Porãsy descobrira através das amigas se chamar Kauã, desceu no mesmo ponto de sempre, mas não sem antes dar uma olhada em Porãsy que penetrou o seu interior, trazendo confusão à sua mente e intensificando a dor de cabeça. O que esse menino tinha, afinal?

A garota tentou se recostar no vidro da janela, como sempre fazia, mas, cada vez que o ônibus passava por um buraco, o solavanco fazia sua cabeça querer estourar, então se inclinou para trás, no banco, e fechou os olhos. Estava decidida a convencer seus pais a não ir mais à escola, enquanto não melhorasse totalmente. Sabia que não seria fácil, mas, com certeza, tentaria. Com todas as forças.

Quando desceram no ponto em que ficavam, as dores no corpo e na cabeça se acentuaram ainda mais. Se forçou a dar cada passo na estrada poeirenta. Ficou aliviada quando, enfim, chegou em casa. Passou direto para o quarto, onde deixou seu material, retirou os tênis e calçou um chinelo, sentindo um alívio tomar conta dos pés. Vestiu uma bermuda e camiseta fresca e voltou para a cozinha, onde seus pais a aguardavam. Amandy já comia e Yvy Rajy estava se servindo.

— E aí? Como foi na escola hoje? — Porãsy entendeu o que a mãe queria saber. Era se a filha não tinha aprontado de novo.

— Foi tranquilo — sua irmã respondeu antes dela.

— Tem algum remédio para eu tomar, mamãe? — Porãsy perguntou — Estou com dor de cabeça e no corpo de novo.

— O Clima está seco e tem poeira demais, filha. Isso não está fazendo bem para você. Acho melhor você ficar em casa até melhorar mais ou até o clima mudar, chover um pouco. Amanhã você não vai para a escola, não.

O coração de Porãsy se sentiu aliviado. Até seu corpo ficou mais leve. Não precisou nem falar, pedir ou implorar à mãe para não ir à escola. Ela mesmo chegou à conclusão de que era melhor a menina ficar em casa por uns dias. Seu rosto estava abatido e olheiras se desenhavam abaixo dos olhos. Era visível, seu desânimo.

A mãe se dirigiu ao armário e abriu uma caixa que um dia fora uma caixa de sapato. Porãsy sabia o que tinha dentro: remédios. A mãe pegou um comprimido, um copo com água e entregou para a filha.

— Aqui, toma. Tenta almoçar um pouco, depois você deita e descansa. Você está com uma cara péssima.

— Isso porque você não sabe como estou me sentindo, mamãe. É como se uma manada de elefante tivesse passado em cima de mim.

— Hum! Dramática essa minha filha. Depois faz um chá para ela tomar durante a tarde, querida. Faz daquelas ervas que a dona Quitéria levou na escola para nós. — O pai estava atento à esposa e à filha.

Pronto, demorou! pensou Porãsy. Demorou para eles virem com os chás.

Dona Quitéria era uma senhora que fazia quase de tudo na escola onde os pais das meninas estavam trabalhando. Uma indígena Guarani de uns quarenta anos, já avó, que levava uma netinha com ela. As irmãs mais velhas ainda não a tinham conhecido, mas seus pais falaram dela. Ela fazia o lanche, lavava as louças da escola e ajudava a cuidar dos alunos menores. Escola de aldeia tinha disso. As crianças se misturavam umas às outras e se amontoavam em uma mesma sala. Muitas vezes, várias séries em uma mesma sala.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora