21. A manhã depois da chuva

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Ao abrir os olhos, na manhã seguinte, Porãsy sentiu algo diferente. Havia vida no ar. Um perfume de flores tomava conta de tudo, levando-a a correr para abrir a janela. Ainda estava um pouco escuro lá fora, mas ela podia aspirar o ar puro. A chuva, que caíra por quase toda a noite, limpara a natureza. O cheiro de terra molhada era vida aos seus sentidos. Não havia mais dor na garganta ao respirar. Ao aspirar o ar, ele descia por suas vias respiratórias em uma sensação refrescante, restauradora.

Quando chegou na cozinha os pais e irmãs já estavam tomando café. Porãsy engoliu quase de uma vez um pedaço de pão, empurrando-o com o café com leite. Seus pais a observavam e assentiram aliviados. Um sentimento estranho tomou conta dela e não queria que nada estragasse o seu dia. Estava animada para ir à escola mas, sondando seu interior, se certificou de que não era o fato de estar indo para a escola que a animava. Era o fato de que o veria. Estava ansiosa pela expectativa de vê-lo, de sentar-se ao seu lado no ônibus, de ouvir sua voz, sentir seu perfume.

Algo dizia à menina que ela devia evitá-lo. Como se ele não fosse uma boa companhia para ela. No entanto a lembrança do seu rosto perfeito, de seus olhos, seu perfume único a inebriava, entorpecia.

Ao sair pela porta, lá estavam as amigas com os respectivos irmãos. Enquanto caminhavam em direção ao ponto do ônibus, as irmãs de Dourados conheceram o outro lado das estradas de Pirakuá: o barro e a lama. Tinham de escolher onde pisar, com cuidado para não escorregarem e para não se sujarem. Por instantes, Porãsy calculou o que era pior: se a poeira ou o barro. No final, ganhou a poeira. Para ela que tinha alergia essa era, com certeza, sua pior inimiga em se tratando de interferências da natureza no dia a dia.

Chegaram ao ponto quase quando o ônibus chegava. Porãsy se perguntou se o motorista aguardaria, se eles tivessem chegado atrasados. Se tivessem se atrasado só um pouquinho. Afinal, eram seis jovens que subiam naquele local. Será que o motorista conhecia todos os alunos que levava a cada dia para a escola?

Sentou-se no seu lugar costumeiro, ao lado da irmã, ainda que tentada a se sentar mais atrás, para que tivesse a chance de Kauã sentar perto dela, mas era mais sensato ficar ali mesmo. Primeiro porque não teria coragem e depois, como justificaria? Era melhor não levantar mais questionamentos.

O ônibus tentou seguir no seu ritmo normal, já que a velocidade desse meio de transporte era controlada por transportar estudantes, mas o barro da chuva o fazia escorregar, em alguns momentos chegando a assustar os estudantes, então o motorista tinha que ir mais lento, com muito cuidado e prudência. Ainda mais que o veículo transitava em terras indígenas e em lugares onde crianças cruzavam muito as estradas. Sempre era necessário um cuidado maior, para não ter problemas.

O celular era sempre a distração dos adolescentes. Porãsy tentava achar uma nova música para ouvir, quando o ônibus parou. Estavam no ponto de Kauã e de seu irmãozinho loiro. A menina levantou seu olhar, mas só a ponto de poder visualizá-lo. O mais velho estava mais uma vez sozinho. Estranho, ela pensou. Onde estaria o menininho branco?

Ele passou por ela olhando-a firmemente. Porãsy não conseguiu desviar o olhar. Mais uma vez pareceu hipnotizada por ele.

O ônibus tinha muitos lugares vagos como sempre e o rapaz escolheu para se sentar num banco em que o do lado também estava vazio. Porãsy observou o banco vazio. Sentiu uma vontade irresistível de sentar-se lá, ao lado do rapaz. Levantou-se quase sem se dar conta, e foi em direção ao banco que a atraía de forma que não podia evitar.

Quando sua mente clareou para a realidade, estava ao lado dele. Soube que estava mudada ou enfeitiçada. Na verdade, talvez estivesse apaixonada e não soubesse disso.

— Eu sabia que você viria — ele disse assim que ela se sentou ao seu lado.

— Mas nem eu sabia que me assentaria aqui — Porãsy lhe disse. Ela estava bastante assustada com sua própria ousadia.

— Mas pode ter certeza, eu sabia.

Porãsy o olhou. Seu olhar era intenso e penetrante. Kauã parecia ler seus pensamentos ao olhá-la. Ela ficou desconcertada, desviou o olhar e para fugir da situação constrangedora, virou o rosto para o outro lado do ônibus.

Ficou observando as pessoas no ônibus. Todos eram adolescentes com idades próximas à sua e da irmã. Alguns dos passageiros ainda a olhavam curiosos. Ela foi contando eles e separando em duas listas: aqueles dos quais sabia o nome e os que ainda não.

Naquele dia Porãsy já chegou na escola com dor de cabeça, então começou a formar uma teoria sobre isso, que a assustava. Ela percebeu que a presença do estranho rapaz a adoecia ainda mais a cada dia. 


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(Mais um capítulo revisto e republicado. Não se esqueça de votar na estrelinha.) 

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora