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Lia

Havia entrado no sétimo mês. Agora faltavam menos de dois meses para a chegada de Valentina. Não sabia quem estava mais ansioso por sua vinda, eu ou Gabriel.
Depois que assumimos que estávamos juntos, eu passei para o seu quarto definitivamente, transformando meu quarto antigo para receber Valentina. Gabriel havia me ajudado na decoração, ele até fez questão de pintar as paredes. Havia até colocado a plaquinha com o nome da Valentina na porta. Foi um dia muito divertido e no final, estávamos cobertos de tinta.
Nossa relação estava se construindo aos poucos, e eu estava gostando. Não havia pressão por parte dele quanto ao detalhe de dormir na mesma cama. 
A barreira do sexo estava lá, mas não atrapalhava nosso convívio. Eu não tinha dúvida que iríamos dar certo, mas ainda não estava preparada para o próximo passo. E Gabriel compreendia.
Meu Deus, Gabriel poderia ganhar um prêmio pela paciência que estava tendo comigo. Eu sabia o quanto estava sendo difícil dormir comigo e não passar disso, mas sempre que eu tentava tocar no assunto, ele me silenciava com o beijo e afirmava que tudo iria acontecer quando chegasse o momento. Agora me diga, esse homem existia mesmo?
E onde eu estava que não havia percebido?
Na faculdade, acabei ouvindo os conselhos de Gabriel e tranquei o período, pelo menos até depois do nascimento de Valentina.  Tive alguns estresses com meu orientador e se eu fosse trocar de professor, teria que começar tudo de novo, e eu não estava muito animada com isso.
Então com meu tempo vago, eu dormia até mais tarde, dava uma arrumada na casa, mesmo Gabriel insistindo que tinha uma diarista para isso. Fazia caminhadas no final da tarde, o que eu não gostava muito. Gabriel havia terminado o projeto, agora passando para a construção, mas quando ele achou que teria mais tempo para ficar em casa, até os sábados estava tendo que ir trabalhar. Então na maioria das vezes eu ia para o apartamento da Ana e esperava Gabriel passar para me pegar no final dia.
— Poderíamos ir ao cinema ou teatro hoje, o que acha? – Gabriel perguntou enquanto terminava seu café.
— Não estou muito animada – falei desanimada.
Fazia alguns dias que eu andava sentindo algumas dores, mas não contei nada para Gabriel. Ele estava uma pilha de nervos por causa do trabalho, e eu não iria lhe dar mais uma preocupação.
— Alguma coisa com a Valentina? – perguntou preocupado.
— Não. É apenas um pequeno desconforto.
— Não quer ligar para seu médico e marcar uma consulta? Eu vou com você.
— Hoje é sábado. Doutor Marcos deve estar viajando, não quero falar com alguém que não está me acompanhando. Além disso, você precisa trabalhar.
— Sua saúde é mais importante do que meu trabalho.
Gabriel colocou a xícara em cima da pia e veio me beijar.
— Sempre será mais importante, entendeu? – disse me dando um selinho.
— Sim, eu entendi. Mas nós duas estamos bem. Podemos fazer esse programa amanhã – falei para acalmá-lo.
— Combinado. Quer uma carona para o apartamento da Ana?
— Vou ficar em casa.
— Tem certeza?
— Ana viajou para um fim de semana com a família do Beto.
— Não gosto da ideia de você sozinha aqui.
— Como se eu não pudesse sobreviver sozinha por algumas horas – falei revirando os olhos.
— Eu sei que pode cuidar de você mesma, mas me preocupo da mesma forma. Promete que vai me ligar se algo acontecer?
— Sua preocupação é desnecessária, mas eu ligo, se isso te deixar tranquilo.
— Vou tentar sair cedo.
— Gabriel, eu não quero que se prejudique por minha causa. Agora vá trabalhar – falei lhe dando outro beijo.
Um pouco depois do almoço, as dores aumentaram, logo abaixo da barriga. Tomei um banho e me deitei na cama. Achei que alguns minutos deitada, elas sumiriam. Senti algo quente em minhas pernas e cheguei a pensar que estava fazendo xixi. Levantei para ir ao banheiro e vi a mancha vermelha na cama.
Ergui o vestido e vi minhas pernas manchadas. Eu estava perdendo meu bebê.
Apavorada, peguei meu celular em cima da cômoda e disquei para Gabriel, mas só chamava.
Não tinha mais a quem recorrer e não sabia o que fazer. As dores aumentando a cada segundo, fortes cólicas que me impediam de caminhar. Tentei ligar novamente para Gabriel, e mais uma vez chamou até cair na secretária eletrônica. Lembrei que ele havia deixado o telefone do trabalho para o caso de não encontrá-lo pelo celular.
— Empresa Imperium, boa tarde.
— Malu, é a Lia...
— Oi Lia, tudo bem?
— Preciso falar com o Gabriel – falei sentindo dor a cada respirada.
— Ele está em uma reunião com os japoneses e deve demorar um pouco. Posso te ajudar?
— Estou sangrando... Acho que estou perdendo minha filha – comecei a chorar.
Ouvi barulho de alguma coisa quebrando.
— Merda...
— Malu?
— Estou aqui, calma... Em que ponto está sangramento, desde quando?
— Não sei... Eu... Meu Deus, eu não posso...
— Calma, alguém aí com você? Que idiotice essa que acabei de falar... Se ligou para cá é claro que está sozinha... Ouça, não entre em desespero, vou pedir uma ambulância, sei que está assustada, mas tente ficar calma. Vou tentar falar com Gabriel, se não conseguir, eu vou te encontrar lá...
Ouvi um clique e logo depois a linha ficou muda.
As dores não diminuíam e eu só conseguia pensar em Valentina, como ela estava, se estava sentindo dor assim como eu. Soltei longas respiradas e me concentrei em segui para a sala. Tentei me controlar até ouvir uma batida na porta.
— Meu bebê, por favor, salvem meu bebê – falei assim abri a porta e vi os enfermeiros.
— Calma senhora, vai ficar tudo – disse um enfermeiro aparentemente jovem.
— Não importa o que aconteça comigo, salvem minha filha.
Senti que meu corpo estava ficando leve, mas queria deixar sobre alerta minha decisão.
— Encontrem Gabriel, ele deve ficar com Valentina...
Foram minhas últimas palavras antes da escuridão total me abraçar.

Bip bip bip

Levei alguns minutos para adaptar ao ambiente. Estava em um grande quarto branco, com enormes janelas para facilitar a entrada de luz no ambiente. Uma embalagem de soro presa a minha mão direita e aquele irritante barulho da máquina ao meu lado. No canto, próximo a porta, estava Gabriel dormindo em uma poltrona.
Aos poucos fui me lembrando de tudo o que havia acontecido, as dores, o sagramento, a ambulância me levando para o hospital. Minhas mãos foram direto para minha barriga.
Respirei aliviada por ver que Valentina ainda estava lá.
— Gabriel... – falei baixinho com medo de acordá-lo.
Como se ele estivesse esperando apenas o chamado da minha voz, seus olhos abriram e encontraram os meus.
— Lia, meu amor, graças à Deus...
Gabriel levantou da poltrona e caminhou até minha cama. Pegou minha mão livre e levou aos lábios.
— Minha filha?...
— Valentina está bem. Você teve um sangramento, mas já está controlado.
— Porque isso acontece? Estamos tendo todo o acompanhamento médico...
— O médico me explicou que isso as vezes pode acontecer. Você teve um deslocamento de placenta, e segundo ele é normal acontecer.
— Mas corro o risco de perder minha filha?
— Não, se tivermos todo o cuidado.
— Mas do que já temos?
— Sim. Ele deve vir mais tarde para vê-la e explicar isso melhor do que eu. A única coisa que entendi que a partir de agora, você vai estar em repouso absoluto. Nada de extravagância, sair sozinha... Já estou vendo uma licença do trabalho para ficar em casa com você..  – Gabriel fez carinho nos meus cabelos – me desculpa...
— Pelo o que exatamente você está me pedindo desculpas?
— Por não estar lá quando você precisou. Eu sinto muito.
— Gabriel não foi sua culpa...
— Eu coloquei meu celular no silencioso porque estava na reunião. Se não fosse por isso, eu teria visto as ligações.
— E o seu projeto? Nada disso, você não vai largar tudo para ser minha babá.
— Não vamos discutir sobre isso. Eu já tomei minha decisão. Se não fosse pela Manu e sua agilidade, eu nem sei o que teria acontecido com vocês.
— Manu foi realmente muito ágil. Depois preciso agradecê-la e pedir desculpas pelo susto que dei. E vamos sim conversar sobre sua licença quando chegarmos em casa – falei decidida.
No final da tarde, o médico que não era o doutor Marcos, veio me ver e me explicou melhor como tudo aconteceu, que graças a rapidez de vir para o hospital, o sangramento havia sido contido e tudo estava voltando ao normal.
Como Gabriel havia me falado antes, fui intimada a ter repouso absoluto até o final da gestação. Difícil seria convencer Gabriel a não largar seu trabalho para cuidar de mim, mas com meu poder de persuasão, eu iria convencê-lo do contrário. Ele já estava fazendo tudo por mim, não seria justo tirá-lo do seu projeto.

A sua esperaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora