MARCEL

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— Ainda não acredito que aquela garota te derrubou com um soco! 

—  Ela tinha as banhas como vantag... Aí! Mãe, isso dói! 

    Revirei os olhos, observando a minha tia tentar, — em vão — desinfetar o enorme corte que a Joyce causou ao socá-lo. E, a única coisa que eu tinha em mente enquanto observava aquela cena patética era: que boa esquerda. Não que, se o soco tivesse sido endereçado a mim, fosse fazer lá muito efeito, Vítor tem reflexos lentos e choraminga como um garotinho de sete anos e também há o fato de que não quis impedir. 

   Ele havia merecido.

   Ainda não sei porque não foi das minhas próprias mãos. 

   Ok, isso é mentira.

   Eu sei bem.

   A última vez que bati em alguém por causa de uma mulher, acabei me apaixonando e servindo de step no fim. No entanto, a lembrança não me machucava mais. Sou um home do mar, joguei minhas dor nas batalhas que lutei e nos amigos que perdi no meio do oceano. 

   E tenho que admitir, apesar de estar fugindo cegamente da Joyce, ela tinha poder o suficiente para reverter quaisquer que fossem as minhas escolhas. Ninguém nunca tinha insistido tanto para me ter. Ela é o puro conceito de mulher contemporânea encarnada. Ela quer e vai buscar, não espera ninguém trazer. 

   Confesso que apenas com aquele soco e momento de selvageria, onde os sempre impecáveis fios castanhos e olhos amáveis se converteram na pura cólera, tive vontade de puxá-la pelo braço e beijá-la. 

   Fazê-la esquecer as crueldades que o meu primo desferiu sem a mínima decência. 

   — Ela ficou irritadinha só porque você não queria fazer a caridade de comer ela? — a voz do Vítor me despertou dos devaneios e eu bufei, só levantando os olhos, não precisava de mais para amedrontá-lo.  Porém, é outra voz que soa e bem mais agressiva.

   — Se falar mais alguma coisa, serei eu quem vai socar o outro lado da sua cara, sabe... Para não ficar com ciúmes — o suposto namorado falso da Joyce? O que ele está fazendo aqui? — Ouse abrir a boca e proferir uma única palavra sobre a Ribeiro e eu contrato um grupo, não só para espancá-lo, mas para quebrar essa espelunca em dois e... — ele se aproximou do caixa, colocando a cestinha lá e fazendo questão de ficar cara a cara com a múmia pálida que o meu primo se tornou —  farei questão de mandar eles comerem seu cu como os cachorros comem o de uma cadelinha no cio. 

   Cocei a garganta e olhar dele caiu em mim.

   Os olhos dele eram amarelos? 

   Credo.

   — E você... — veio até mim, entretanto, eu me levantei. 

   — Eu não sou meu primo. Fui treinado por militares condecorados, posso quebrar a sua cara antes de você acabar de falar quanto ganha no seu maldito shopping... —  é, talvez eu tenha pesquisado um pouco sobre ele. 

   Guilherme Fragoso, o herdeiro do Imperium, o centro de comércio mais famoso da cidade. 

   Não que isso importe muito para mim. 

   Mas, no lugar de se mostrar ofendido, ele sorriu de maneira debochada. 

   — Não quero te agredir ou te ameaçar, soldadinho  — riu, olhando para si próprio e me fazendo notá-lo, ele estava vestido de bermuda e havaianas, além da ausência da camisa. Estava tentando mostrar que faz academia?  Ignorando-o, comecei a colocar a comida na sacola —  Por favor, quando for ensacolar essas compras, coloque em duas, meu carro ficou no condomínio à uns quarteirões daqui e pode ser que elas rasguem — pediu e por alguns segundos, eu parei, assimilando as coisas. 

   Nas sacolas, as marcas caras não escondiam a verdadeira intenção  Era o melhor queijo, o melhor presunto e o pão que não era fabricado por nós. Os refrigerantes, vinho e chocolates com o valor mais alto da padaria, sem nem mencionar morangos e chantilly. 

  — Você perdeu um bom beijo, idiota — ergui as sobrancelhas ao escutá-lo e, juro por tudo que é sagrado, eu respirei fundo, lembrei que não tinha o porque de me sentir desconfortável. Afinal, fui eu que escolhi isso, certo? Eu que disse "não".

   — Você me chamou do quê? —  mas sempre há um pretexto para usar. 

   Ele sorriu. 

   —  Idiot..

   —  GRAÇAS A DEUS! — uma voz ofegante ecoa e um vulto se joga em cima do babaca de olhos amarelos. — Você está inteiro? Seu rosto? — uma Joyce de cabelo molhado e sobretudo aparece no meu campo de vista. — Ainda bem que eu cheguei a tempo.— suspirou — Você enlouqueceu? — estapeou ele. 

   Guilherme se esquivou, fazendo careta.

   — Eu só vim comprar comida para nós dois, meu doce... 

   Meu doce? 

   Ela inclinou a cabeça, me olhou e depois o fitou novamente, dessa vez, com os olhos semicerrados.

   —  Ora, seu... 

   —  Se for socar outro homem, faça o favor de sair da padaria — me escutei falar e, mentalmente, me perguntei o porquê de ter aberto a boca. 

  Joyce se virou, me fitando. 

   Tinha um brilho diferente nela e não me perguntem em como sei disso.

   Pensei que eu fosse o próximo da sua lista de agressões, no entanto, ela só suspirou.

   — Fragoso, vá na frente e me faça o melhor jantar. E até as pedras vão ter dó de você se eu chegar e encontrar caixas de restaurante caros sob a mesa. Disse que ia cozinhar e eu quero —  o tom de voz dela era quase o de uma rainha, direta e afiada. 

   A ameaça velada até me deu medo.

   Ele apenas sorriu como um bobo encantado. 

   — Tente não socá-lo, meu doce —  saiu, levando as sacolas  e me deixando com a louca. 

   Vítor, no meio de tudo, havia saído de fininho e, totalmente sem vergonha, ela se empoleirou na esteira do caixa, sentando-se com o cuidado de manter o sobretudo fechado.

   — Vejo que não seguiu o meu conselho de evitar sair por aí de camisola — eu disse, notando a pequena ponta de uma camisola de renda bem trabalhada — não tem medo? O mundo está caótico...

   Ela meneou a cabeça.

   —  Acho que já percebeu que sei me defender bem. — sorriu e, sem conseguir prender o sorriso, afirmei, meus olhos deslizaram até os dedos levemente machucado dela. 

   — Colocou um bife? Desincha bem mais rápido, segredo de fuzileiro naval — pisquei, sorrindo. 

   Joyce retribuiu o sorriso, mas parou com o olhar diretamente sob os meus lábios. 

   Que Deus me dê autocontrole...

   —  Eu preciso e quero conversar direito com você. Pode vir à minha casa amanhã? Após o seu expediente aqui... — a postura era reta e confiante, porém o tom de voz não dizia a mesma coisa — Se quiser recusar, vou entend...

   Neguei.

   — Eu vou. 

   Ela me fitou de modo surpreso e eu dei de ombros.

   — Que mal faria uma conversa? — sorri. 

   Joyce soltou uma risadinha, descendo do balcão, já estava prestes a deixar a padaria quando eu chamei. 

   — Joyce?! — gritei.

   Se virou, franzindo o cenho.

   — Aperta mais esse nó! — gesticulei, apontando para o sobretudo. 

   Ela riu, fazendo um legal com o dedo e saindo.

   Onde é que estou me metendo? 

O Sabor Dos Seus Lábios - As Whiter'sWhere stories live. Discover now