Noite de Hécate

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Numa noite meio fria, já bem decepcionada com uma pessoa que se dizia amiga, chorei muito antes de perceber que Ela estava falando em meu ouvido.

Parei de chorar e tentei prestar atenção ao que a voz, ainda sutil, dizia...

"O Altar..."

Olhe para meu canto mágico... Ora, bem lembrado. Para que chorar, se posso tentar mudar isso de alguma forma?

Retirei tudo de cima do altar. Fui devagar, fechando os olhos, tentando ouvir...Tentando sentir aquela força me inspirando.

Naquele tempo eu não tinha muita prática e muito menos intuição aguçada. Então eu demorava para perceber a voz que "a mais" na minha cabeça. A outra voz, que parecia de uma idosa, mas uma idosa de muitos milênios de idade.

"Risque o Círculo..."

Em meu altar, de pedra, risquei com o athame, um círculo... com as mãos trêmulas, pensando se estava fazendo certo.

"Pare com isso...", o tom da voz dela era de quem não estava lá com muita paciência para choramingos, mas queria mesmo me ajudar. "Faça isso direito".

Reforcei o traçado. Uma, duas... três vezes! E somente na terceira eu risquei tudo de uma vez.

Muito antes de eu sequer pensar em pensar de perguntar para Ela se era aquilo mesmo, a voz seguiu dizendo "Agora olhe para mim".

E eu... enguicei. Olhar para quem? Onde? A voz sumiu?

Olhei para os lados, procurando.

Já ia caindo na bobagem de pensar que estava vendo fillmes demais, porém, o vento mais gelado que senti passou pelo meu rosto... Vindo direto da janela aberta.

De frente à Ela.

Aquela Lua Cheia Magnífica.

Fiquei paralisada por alguns minutos, enquanto diversas imagens vinham em minha mente. Eu não saberia descrevê-las mesmo que quisesse agora. Só que naquele momento... naquele momento fez todo sentido.

Senti uma força tremenda me tomar as mãos.

Emudeci e voltei ao altar.

Estava eufórica e calma ao mesmo tempo. Escorreram alguns pingos de vela em meus dedos, mas não senti dor alguma. Em certo momento, minha mãos se moviam tão rápido, separando cada folhinha da arruda, desenhando símbolos que me eram desconhecidos até então, movendo a fumaça dos incensos, vendo os formatos que me revelavam. De alguma forma que não sei explicar, eu via a energia daquilo tudo.

Era como se uma nova dimensão tivesse se aberto diante de meus olhos. Eu sentia aquela voz ainda, ouvia mais claramente. Inclusive, arrisco dizer, que eu podia quase ter certeza de que ela estava atrás de mim, como uma avó vendo a neta aprontar uma arte nova.

Então me levantei. Acendi a última vela, uma linda vela preta, escrito o nome da pessoa que havia de me magoado tão profundamente.

A traidora. Maldita... Que havia roubado meu maior trabalho, minhas ideias, meus sonhos... Aquela que estaria em breve vendendo o que eu criei.

"Hécate, Senhora dos Caminhos

Ilumina minha Escuridão

À Ti eu me ajoelho

Entrego esta noite em Teu nome

Hécate, traga de volta minha dignidade

Pois hoje nada tenho

Além de minha total confiança em Ti

Que entrego sem pestanejar"

Então, de fato eu caí de joelhos.

Saí daquele transe... E desabei de chorar.

O vento frio voltou a me gelar, mas gelava brandamente. Nuvens apagaram o brilho da lua cheia... e eu adormeci no chão da sala.

...

No outro dia, eu acordei – morta de cansaço, morta de dor de cabeça – com o celular tocando freneticamente...

Era uma mulher, da empresa que eu queria trabalhar!

Ela disse que recebeu um projeto lindo, que estava meu nome e meu telefone, mas que outra pessoa dizia ser a autora.

Eu tremi.

Tremi, perdi a voz, lembrei da minha noite.

"Sim, eu sou a autora desse projeto, que infelizmente me foi roubado há alguns dias atrás. Em que posso ajudar?"

Recebi elogios. A outra pessoa – que era a maldita oportunista! – foi dispensada...E eu fui contratada para trabalhar onde sempre quis.

AVE, HÉCATE!

GrimórioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora