Roda em Movimento - parte I

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Ainda naquela noite.

Adam estava em seu velho quarto, enquanto admirava um quadro antigo.

— O senhor revelou muita coisa aqueles dois, por sua intuição e contra o meu conselho — falou Teresa, sentando ao seu lado. Face cansada e em roupas casuais. — Mas não mostrou esse quadro, nem falou sobre ela.

O quadro a que ela se referiu mostrava uma jovem mulher, de olhos verdes brilhantes, cachos dourados e um sorriso angelical. Suas roupas remetiam ao século 18, e suas feições remetiam a Claire. Ao seu lado, Adam, com um sorriso vivo e olhos brilhantes. Feliz como jamais algum deles o viu.

— Alice é um segredo que somente nós dois conhecemos, minha leal amiga — ele segurou nas mãos o colar de cruz, o mesmo que a esposa portava na pintura. O mesmo que havia dado a Claire. — Meu segredo, minha responsabilidade, meu fardo.

Caminhou novamente até a sacada do quarto, de onde há trezentos anos vislumbrou a chegada de seus inimigos. Naquele tempo, lado a lado a mulher que amava. Hoje sozinho, como talvez tivesse de passar a eternidade se quisesse protegê-la. Era outra noite de chuva, e outra vez seus inimigos chegavam às portas de sua casa.

— A roda começou a girar, Mendes — disse o vampiro, com tristeza na voz. — Avançando, lenta e inexoravelmente em direção a tudo que amo. Desejando esmagar... Reduzir a cinzas.

— Oras, deixe disso! O senhor é um vampiro poderoso, senhor Tepes. Tem dinheiro, e se estiver certo sobre aqueles dois, novos aliados — disse ela, ficando ao lado dele. — Pare de temer o destino, é só pegar a garota nos braços e defendê-la do que quer que venha!

Adam olhou para aquela mulher, tão leal e otimista quanto inocente sobre a extensão das ameaças que pairavam sobre ele.

— Não posso arriscá-la Teresa, não de novo. Talvez seja melhor que ela sofra por um engano e permaneça viva, do que seja feliz por um instante, apenas para nos despedirmos novamente.

***

Pouco tempo depois de sair da mansão do vampiro, Paul Davis entrou em sua casa. Seu corpo e mente estavam cansados, e deu passos lentos em direção à cama macia. Tirou a camisa, assim como o colete de kevlar que usou por baixo dela. Jogou a bolsa da madre em um canto qualquer e se deitou, tentando mergulhar no sono, nas poucas horas que restavam antes de lecionar na universidade.

Mas logo abriu os olhos, sentindo todo o corpo arrepiado, e a sensação de ser observado em meio à escuridão. Sentando na cama, olhando para o nada, moveu os lábios lentamente... relutando em libertar as palavras:

—... eu tinha medo que você viesse. Que se juntaria a mim, assim como os outros.

Em meio às sombras, uma mulher alta e forte, com sangue escorrendo dos buracos onde foi baleada, e com roupas parcialmente queimadas. A madre o encarou com severidade. Nos olhos: tristeza e mágoa.

— O senhor mentiu para mim. Me traiu. — Estendendo o dedo acusadoramente para ele. — Me atingiu pelas costas, se unindo aos demônios que deveria destruir.

Paul não sabia dizer se o que via era real ou não. Seu coração disparou no peito, o suor banhando seu corpo cansado.

— Estarei com você, senhor Davis, até vê-lo morrer. Até que os demônios do inferno o arrastem para o fogo eterno!

Um longo silêncio se fez enquanto Paul caminhou até uma garrafa que logo levou a boca. Quando reuniu coragem suficiente para encarar sua última vítima, lágrimas molhavam seu rosto tenso. Mas dessa vez, lágrimas verdadeiras.

Filhos da NoiteWhere stories live. Discover now