"Sempre Contigo"

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De tempos em tempos, gosto de relembrar algumas boas memórias da minha vida, enquanto ouço as ondas quebrarem nas rochas...

Quando eu era criança, lembro-me claramente de uma senhora que vinha cuidar de mim à noite. Se eu tinha um pesadelo e acordava suada, era ela quem passava a mão em minha cabeça e dizia que foi só um mau sonho. Se eu tinha medo de sair do meu quarto naquela escuridão para ir ao banheiro, era ela quem ia na frente, segurando minha mão.

Ela dizia que me amava, que queria me ver crescer uma linda moça.

Lembro da vez que pedi para ler um livro de historinhas... e ela pediu desculpas por não saber ler. Mas, veja bem, isso não a impediu de criar, com toda criatividade, uma linda historinha sobre fadas e os homenzinhos chamados elfos.

Se eu começava a rir mais alto, ela fazia sinal para rir baixo, enquanto ela própria ria também. O interessante é que ela era tão engraçada e gentil...Tinha aquele abraço quentinho, me passava a sensação de que nada no mundo estava errado.

É que chamamos de amor, não é?

Uma senhorinha tão amável...

Houve um dia que dormi na casa da minha tia. Era a primeira vez eu dormia em outra cama que não fosse a minha. A ansiedade era tanta de brincar com minhas primas! Nossa! Meu tio tinha prometido nos levar no parque.

Eu não podia esperar a hora de entrar no carrossel, de pular naquela piscina de bolinhas, de correr e correr com as minhas primas!

Aquele dia foi tão rápido, tão incrível, passou que eu nem vi! Chegamos em casa, mal tomei um banho, comi alguma coisa e capotei. Não vi a senhora, também não lembrei de procurar por ela.

Mamãe foi me buscar e eu retornei à rotina.

Lembro de estar na escola e sentir uma angústia. O coração pesado. Aquela sensação ruim, aquela vontade de chorar. Eu era uma criança, não saberia explicar... Então chorei.

Meus pais tentaram de tudo para me animar, mas eu só soluçava sem entender aquela dor. Coitadinha da minha mãe. Ela achava que alguém tinha judiado de mim na escola. Achava que eu tinha medo de falar. Ah, mamãe... Que vontade eu tenho de explicar aquela situação daquele dia...

Tomei um leite e fui deitar. Meus pais queriam que eu dormisse com eles, mas eu queria minha cama. Será que era só isso?

Tenho certeza que não...

Assim que apagaram a luz e saíram, assim que eu fechei os olhos para tentar dormir, senti uma gotinha cair no meu rosto.

Abri os olhos imediatamente... e lá estava a senhorinha. Chorando.

A dor no meu coração ficou ainda mais aguda. Parecia que uma agulha grossa tentava me partir ao meio, mas passou tão logo quanto eu a ouvi dizer "Que saudades, meu anjinho!".

Era isso!

A abracei e pedi desculpas por não avisar que iria sair e dormir fora. Ela apenas balançava a cabeça, dizendo "Não é culpa sua".

Passei a mão na cabeça dela, sobre aqueles fios grisalhos, fui descendo para o rosto amoroso, enrugado pelo tempo e pela preocupação...Eu sentia algo por ela, como se fosse minha mãe...

"Qual seu nome?" , passei a perguntar de tempos em tempos, e ela respondia "Sou quem devo ser, e vou cuidar de você". Eu não entendia o significado disso, mas parecia bom. Acredito que tem coisas que apesar de não sabermos explicar, apenas sabemos - e sabemos com convicção: Ela me amava e jamais deixaria qualquer mal me acontecer.

Um dia, chegou meu aniversário de 12 anos. Eu me tornaria uma ... adolescente? Uma pré-adolescente? Enfim, eu estava me tornando dona do meu nariz!

Aquele bolo lindo, decorado pelas mãos da minha tia, estava tão gostoso... Foi tão incrível festejar com meus amigos em casa, comendo salgadinhos, ouvindo nossa boy band da época... Ha ha ha...

Deitei tão cansada, já tão tarde da noite! Senti as mãoszinhas de minha cuidadora passarem por meus cabelos, enquanto ela dizia "Já é uma mocinha. Eu esperei tanto por isso".

Ai, que orgulho! Uma mocinha! Dormi com aquele cafuné, um sono tão bom!

Na noite seguinte, não a vi. Nem na outra. Nem na próxima.... nem em toda a semana.

Talvez você ache absurdo eu dizer que nunca perguntei dela para os meus pais. Eu também acho. Como pude ser tão egoísta? Mas era um costume vê-la apenas pela noite...

Só depois que não mais vi a senhorinha, é que perguntei para minha mãe. Ela me olhou espantada. Que senhorinha? Aí eu é quem fiquei espantada. Como minha mãe não sabia da mulher que cuidava de mim?

Minha mãe sentou e me mandou contar tudo. Como era a senhora, a voz dela, como ela falava comigo...Conforme eu respondia, os olhos dela marejavam.

Meu pai ouviu e me mandou parar de inventar histórias, pois eu havia feito minha mãe chorar. De repente ela levantou e disse que estava tudo bem. Abriu a bolsa, que estava sobre a mesa da sala e pegou, de sua carteira, uma foto.

A senhorinha! Confirmei: era aquela mulher mesmo!

Com um sorriso triste, mamãe disse que aquela senhora amorosa era a mãe dela, minha avó. E ela disse que vovó queria tanto vê-la ter uma menina... Queria tanto ajudá-la a cuidar de sua bebê, mas faleceu 1 ano antes de ela engravidar.

Ela lembrava bem que, as últimas palavras de vovó foram: Estarei sempre contigo, e vou ver minha neta ser uma moça!

Nunca mais vi minha avó antes de dormir, mas sei que, em algum lugar, ela ainda olha por mim.

Obrigada, vovó.

GrimórioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora