2 - BÔNUS - ÍCARO/KAÍRA

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KAÍRA

  Calmamente, subi até a imensa varanda da mansão. Meu queridíssimo pai tinha feito o favor de esbanjar o seu gosto por exagero nessa casa — sob os protestos da mamãe — passando perto de transformar o lugar numa subsequência do Imperium, o shopping da família. Porém, o que a "casa" tinha de grande, era proporcional a sua beleza. 

  Sentia os pés cansados de toda rotina apressada. Eu tinha dezoito anos e já estava me encaminhando para o segundo período da Universidade. Sempre gostei de estudar e me espelhar na mulher maravilhosa que a minha mãe é, também ajuda. A superintendente do maior shopping do estado. E isso não tinha nada haver com o meu pai ser dono do lugar, era pelo próprio mérito de todo o esforço dela. 

Talvez por isso eu tenha resolvido cursar Administração. 

   —  Pensei que demoraria mais dois séculos para subir as escadas. — escuto a voz límpida do meu clone falar. Se tinha uma coisa esquisita em ser gêmeo? Sim, se eu colocasse uma peruca no Íke, ele seria a minha versão marombada. — Maninha! — faço careta, querendo sorrir. 

  — Você não vive sem mim, garoto?— questiono, cruzando os braços.  Ele revira os olhos e me encara. Mamãe sempre disse que ele era a cara do pai na idade dele e talvez seja por isso que tantas garotas me importunam atrás do meu irmãozinho.  Ao erguer a mão para coçar a nuca, notei o machucado nos nós dos dedos dele. — Me deixa ver essa mão. — peço. 

— Não precisa. 

Ergo as sobrancelhas. 

— Ícaro Ribeiro Fragoso. 

Ele bufa, estendendo a mão. 

—  Obrigado por dar a patinha, bom menino. —  sorri debochada, analisando o local. As escoriações eram leves, mas claramente, deviam doer.  E isso tudo eu aprendi em 1034190 episódios de Grey's Anatomys.   — Você realmente bateu forte. 

Foi a vez dele de abrir aquele bendito sorriso convencido. 

— Garanto que eles ficaram pior. 

Suspirei. 

  — Íke, você tem que parar com isso. — resmungo. —  Toda vez que vai com aquela sua moto me buscar, acabamos metidos em uma confusão. Graças a Deus o reitor da Universidade sabe que eu não provoco isso e que você age em minha defesa. 

Ele riu.

—  E talvez porque o papai tenha ameaçado ele. 

Deixei os ombros caírem, soltando um grunhido. 

— Vocês só sabem mandar na minha vida! —  chio. —  A única que realmente consegue me entender é a mamãe. — murmuro e já estava prestes a sair daquele lugar para ir ao meu quarto, quando ele me segurou pelo braço. 

ÍCARO.

 — Kaíra.  

Minha irmã conseguia ser a criatura mais inteligente e cabeça dura ao mesmo tempo. Eu sabia que ela só queria o meu bem, mas o meu "bem" dependia de vê-la sorrindo e não perdida em pensamentos por aí, por causa de imbecis que não sabem respeitar uma mulher. 

  — O que é, Íke? — ela resmungou. — Quer bater em qual veterano agora? Faço uma lista dos caras que fizeram bullying comigo? 

Suspirei. 

 — Você é linda. — falei, encarando-a. E era a verdade, quando estudávamos juntos, eu tinha que ameaçar alguns dos meus amigos para que não soltassem cantadinhas para ela. Eles não prestavam e minha irmã merece muito mais que moleques.  —  Sério mesmo. Seu caráter, sua personalidade... Você. — continuei, vendo as lágrimas começarem a se formar nos olhos dela. — Você é a minha irmãzinha, ainda que tenhamos a mesma idade. Eu cuidarei de você até que se canse de mim. E, mesmo quando isso acontecer, o farei escondido. Pois não suporto te ver mal. — guiei a mão dela até ao meu coração. — Você é uma parte de mim, Kaí. E eu te amo. 

Ela fungou, chorando baixinho. 

  —  Porque você é assim, hein? — reclamou, me fazendo rir e abraçá-la. — Está disputando o posto com aqueles príncipes da Inglaterra? — ela continuou com as suas tiradas e eu sorri.  

  Minha irmã sempre foi gordinha e parecia que isso era de família. Passei anos vendo-a se matar em dietas até a sua falsa "aceitação", onde fazia questão de sair com roupas curtas e apertadas.  E até ela se aceitar de verdade, mas ainda precisar de apoio, pois é um mundo difícil para pessoas que não correspondem aos padrões que a sociedade impõe. 

Não é porque ela não usa trinta e oito que não é bonita. 

  — Só me acha bonita porque gosta de garotas como eu. 

Foi a minha vez de corar. 

— E-eu... 

Ela riu. 

— Íke, eu sou amiga da Ruby, esqueceu? — cruzou os braços. —  Se a mamãe descobrir que você deu uns pegas na nossa prima, vai te matar. E me matar se souber que eu sei.  E ela tem vinte anos, é dois anos mais velha que você, Ícaro— falou. E entortou o nariz. — Da última vez que eu fui na mansão dos Karson-Blake, o Alec estava com cinco garotas. —  emendou em uma careta de nojo. 

A Ruby era bonita demais para ser ignorada. — murmurei. Não que tivéssemos tido algo a mais que uns beijos. Por parte dela, teríamos continuado, mas bem... Eu não queria. Até porquê, queria que a primeira vez que eu estivesse com alguém fosse realmente especial. 

Pensamento antiquado para um cara de dezoito anos?

Sim. 

Mas meu autocontrole era meu companheiro antigo.

Kaíra me encarou. 

— Você e a sua queda por garotas perigosas. — disse. —  Mamãe odeia o fato de que saímos com eles. Você sabe, filhos de peixinhos, peixinhos são. —  continuou. — Da última vez, a Ruby me ensinou a abrir uma fechadura. E o Alec quase nos fez beber. — revirou os olhos. —  Ainda bem que sabemos exatamente o que queremos. 

Nós rimos. 

  —  Porque somos tão diferentes? —  perguntei. 

Ela pensou por alguns instantes. 

— Nossos pais. — falou. — Vê o caçula da tia Emmy, o Arthur, ele é como você e ainda mais gentil. Com dezesseis anos e ajuda o tio Sam na empresa como um estágio não remunerado e... 

Ergui as sobrancelhas. 

— Kaíra? 

—  Hum? 

— Não vou ter que bater em um moleque de dezesseis anos, não é? — sim, eu tinha ciúmes dela. Não me julguem. — E você gosta dele porque é como você, prefere um livro a sair para se divertir. 

—  Você já pensou que eu me divirto lendo? Ali não existem só palavras, Íke, são mundos e mundos. Posso viajar sem ter que gastar as milhas da família e encarar meu medo de altura.

—  Garanto que não se diverte tanto como quando sai comigo de moto —  pisquei. 

 — Touché — ela riu e eu já ia falar algo quando fomos interrompidos por gritos e risadas. Papai tentava cortar a grama, porém a mãe fazia questão de desfilar com um biquíni na beirada da piscina.  Kaíra suspirou. — Será que encontraremos um amor assim? Mesmo depois de tantos anos, eles ainda parecem ter a nossa idade, se amam como dois adolescentes. 

Eu sorri, admirando a cumplicidade dos nossos pais. 

  — Quem sabe, não é? 

Ela riu. 

— É, maninho, nossa história está apenas no começo. 

** 

  

O Sabor Dos Seus Lábios - As Whiter'sWhere stories live. Discover now