KAÍRA.
Calmamente, subi até a imensa varanda da mansão. Meu queridíssimo pai tinha feito o favor de esbanjar o seu gosto por exagero nessa casa — sob os protestos da mamãe — passando perto de transformar o lugar numa subsequência do Imperium, o shopping da família. Porém, o que a "casa" tinha de grande, era proporcional a sua beleza.
Sentia os pés cansados de toda rotina apressada. Eu tinha dezoito anos e já estava me encaminhando para o segundo período da Universidade. Sempre gostei de estudar e me espelhar na mulher maravilhosa que a minha mãe é, também ajuda. A superintendente do maior shopping do estado. E isso não tinha nada haver com o meu pai ser dono do lugar, era pelo próprio mérito de todo o esforço dela.
Talvez por isso eu tenha resolvido cursar Administração.
— Pensei que demoraria mais dois séculos para subir as escadas. — escuto a voz límpida do meu clone falar. Se tinha uma coisa esquisita em ser gêmeo? Sim, se eu colocasse uma peruca no Íke, ele seria a minha versão marombada. — Maninha! — faço careta, querendo sorrir.
— Você não vive sem mim, garoto?— questiono, cruzando os braços. Ele revira os olhos e me encara. Mamãe sempre disse que ele era a cara do pai na idade dele e talvez seja por isso que tantas garotas me importunam atrás do meu irmãozinho. Ao erguer a mão para coçar a nuca, notei o machucado nos nós dos dedos dele. — Me deixa ver essa mão. — peço.
— Não precisa.
Ergo as sobrancelhas.
— Ícaro Ribeiro Fragoso.
Ele bufa, estendendo a mão.
— Obrigado por dar a patinha, bom menino. — sorri debochada, analisando o local. As escoriações eram leves, mas claramente, deviam doer. E isso tudo eu aprendi em 1034190 episódios de Grey's Anatomys. — Você realmente bateu forte.
Foi a vez dele de abrir aquele bendito sorriso convencido.
— Garanto que eles ficaram pior.
Suspirei.
— Íke, você tem que parar com isso. — resmungo. — Toda vez que vai com aquela sua moto me buscar, acabamos metidos em uma confusão. Graças a Deus o reitor da Universidade sabe que eu não provoco isso e que você age em minha defesa.
Ele riu.
— E talvez porque o papai tenha ameaçado ele.
Deixei os ombros caírem, soltando um grunhido.
— Vocês só sabem mandar na minha vida! — chio. — A única que realmente consegue me entender é a mamãe. — murmuro e já estava prestes a sair daquele lugar para ir ao meu quarto, quando ele me segurou pelo braço.
ÍCARO.
— Kaíra.
Minha irmã conseguia ser a criatura mais inteligente e cabeça dura ao mesmo tempo. Eu sabia que ela só queria o meu bem, mas o meu "bem" dependia de vê-la sorrindo e não perdida em pensamentos por aí, por causa de imbecis que não sabem respeitar uma mulher.
— O que é, Íke? — ela resmungou. — Quer bater em qual veterano agora? Faço uma lista dos caras que fizeram bullying comigo?
Suspirei.
— Você é linda. — falei, encarando-a. E era a verdade, quando estudávamos juntos, eu tinha que ameaçar alguns dos meus amigos para que não soltassem cantadinhas para ela. Eles não prestavam e minha irmã merece muito mais que moleques. — Sério mesmo. Seu caráter, sua personalidade... Você. — continuei, vendo as lágrimas começarem a se formar nos olhos dela. — Você é a minha irmãzinha, ainda que tenhamos a mesma idade. Eu cuidarei de você até que se canse de mim. E, mesmo quando isso acontecer, o farei escondido. Pois não suporto te ver mal. — guiei a mão dela até ao meu coração. — Você é uma parte de mim, Kaí. E eu te amo.
Ela fungou, chorando baixinho.
— Porque você é assim, hein? — reclamou, me fazendo rir e abraçá-la. — Está disputando o posto com aqueles príncipes da Inglaterra? — ela continuou com as suas tiradas e eu sorri.
Minha irmã sempre foi gordinha e parecia que isso era de família. Passei anos vendo-a se matar em dietas até a sua falsa "aceitação", onde fazia questão de sair com roupas curtas e apertadas. E até ela se aceitar de verdade, mas ainda precisar de apoio, pois é um mundo difícil para pessoas que não correspondem aos padrões que a sociedade impõe.
Não é porque ela não usa trinta e oito que não é bonita.
— Só me acha bonita porque gosta de garotas como eu.
Foi a minha vez de corar.
— E-eu...
Ela riu.
— Íke, eu sou amiga da Ruby, esqueceu? — cruzou os braços. — Se a mamãe descobrir que você deu uns pegas na nossa prima, vai te matar. E me matar se souber que eu sei. E ela tem vinte anos, é dois anos mais velha que você, Ícaro— falou. E entortou o nariz. — Da última vez que eu fui na mansão dos Karson-Blake, o Alec estava com cinco garotas. — emendou em uma careta de nojo.
— A Ruby era bonita demais para ser ignorada. — murmurei. Não que tivéssemos tido algo a mais que uns beijos. Por parte dela, teríamos continuado, mas bem... Eu não queria. Até porquê, queria que a primeira vez que eu estivesse com alguém fosse realmente especial.
Pensamento antiquado para um cara de dezoito anos?
Sim.
Mas meu autocontrole era meu companheiro antigo.
Kaíra me encarou.
— Você e a sua queda por garotas perigosas. — disse. — Mamãe odeia o fato de que saímos com eles. Você sabe, filhos de peixinhos, peixinhos são. — continuou. — Da última vez, a Ruby me ensinou a abrir uma fechadura. E o Alec quase nos fez beber. — revirou os olhos. — Ainda bem que sabemos exatamente o que queremos.
Nós rimos.
— Porque somos tão diferentes? — perguntei.
Ela pensou por alguns instantes.
— Nossos pais. — falou. — Vê o caçula da tia Emmy, o Arthur, ele é como você e ainda mais gentil. Com dezesseis anos e ajuda o tio Sam na empresa como um estágio não remunerado e...
Ergui as sobrancelhas.
— Kaíra?
— Hum?
— Não vou ter que bater em um moleque de dezesseis anos, não é? — sim, eu tinha ciúmes dela. Não me julguem. — E você gosta dele porque é como você, prefere um livro a sair para se divertir.
— Você já pensou que eu me divirto lendo? Ali não existem só palavras, Íke, são mundos e mundos. Posso viajar sem ter que gastar as milhas da família e encarar meu medo de altura.
— Garanto que não se diverte tanto como quando sai comigo de moto — pisquei.
— Touché — ela riu e eu já ia falar algo quando fomos interrompidos por gritos e risadas. Papai tentava cortar a grama, porém a mãe fazia questão de desfilar com um biquíni na beirada da piscina. Kaíra suspirou. — Será que encontraremos um amor assim? Mesmo depois de tantos anos, eles ainda parecem ter a nossa idade, se amam como dois adolescentes.
Eu sorri, admirando a cumplicidade dos nossos pais.
— Quem sabe, não é?
Ela riu.
— É, maninho, nossa história está apenas no começo.
**
YOU ARE READING
O Sabor Dos Seus Lábios - As Whiter's
RandomASSIM COMO MAR CALMO NUNCA FEZ BOM MARINHEIRO, SÃO OS INVESTIMENTOS DE RISCO QUE FAZEM OS EMPRESÁRIOS DE SUCESSO. O que uma mulher bem sucedida que venceu vários preconceitos por ser jovem e acima do peso, conseguindo chegar ao cargo de Supe...