30. Monhãi

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Porãsy permanecia paralisada na primeira câmara da caverna de Cerro Cavaju. Os sons no corredor aumentavam de intensidade. Monhãi avançava. Suas antenas se iluminavam a cada movimento, nas luzes do arco-íris. A menina viu o reflexo do brilho na água que escorria, mantendo as paredes e solo molhados, e, então, se arrastando na caverna molhada, uma enorme serpente com um par de chifres surgiu.

A visão era aterradora. Muito pior do que Porãsy jamais poderia imaginar. Tentara se preparar para esse momento, mas o que surgiu em seu campo de visão foi mais do que julgava suportar. A coisa era enorme, úmida, gosmenta. "Como... como... uma coisa desta poderia ter nascido de uma humana?", perguntou-se.

Como ela conseguiria levar em frente o plano que traçara antes de alcançar a caverna? Não, não conseguiria. Não com aquela criatura.

Assim que se deparou com ela, a comprida serpente levantou a cabeça. Da boca surgiu uma língua bífida, que se movia no ar, sondando o ambiente. Monhãi encarou a menina com seus olhos cortados e disse em voz sibilante:

— Quem é você? O que está fazendo aqui?

Porãsy tremeu, cambaleou. Novamente suas mãos procuraram apoio na parede e, mais uma vez, a textura molhada a fez se afastar. Quase não se aguentava em pé, de tão trêmula. O imenso ser ficou rodeando-a, sibilando e tateando o ar com a língua.

— Eu vim para te ver — respondeu a menina com voz falha. Sua garganta havia secado. Por segundos, não conseguiu se lembrar do que devia dizer. Respirou fundo — Tanto se fala de suas façanhas, de sua agilidade e de seu valor, que precisei vir conferir. São tantas as lendas sobre você, contadas de aldeia em aldeia, que me apaixonei e decidi vir para te ver e te dizer isso.

Desconcertado, o ser se moveu até um lugar onde pudesse ver melhor a beleza de Porãsy. O som produzido por seu corpo se arrastando já era, por si só, aterrador, mas o sopro quente que saía de sua boca conforme a espreitava fez até os pelos da nuca de Porãsy se arrepiarem. O corpo dela parecia uma gelatina: estava instável e trêmulo, tamanho era o terror que sentia. Vapores, como os liberados na respiração em dias frios, e chiados incidiam sobre Porãsy, provindos dos buracos do nariz que a cheirava. A penumbra se movia na cova.

— Disse ter chegado até você relatos de minha agilidade, de minhas façanhas e de meu valor... — A criatura estava desconfiada.

— Isso mesmo. — Porãsy só queria ter força e coragem para prosseguir com o que lhe cabia.

— E disse que está apaixonada por mim. — O som da voz era tenebroso.

— Isso mesmo. — A menina se encolhia cada vez mais.

— Então está disposta a ser minha, agora mesmo? — O ser estava em volta dela, cercando-a completamente.

Ainda se quisesse, Porãsy não tinha mais como escapar daquela situação, senão por permissão de Monhãi, então respirou fundo. Tinha de continuar com o plano ao qual estava ali para executar.

— Para isso estou aqui — disse, tentando usar as palavras certas, as frases combinadas. Não podia cometer erros agora. — Mas é meu desejo, antes de nos unirmos, conhecer os seus irmãos e celebrar nossas núpcias junto deles.

As frases ditas haviam sido treinadas e repetidas inúmeras vezes por ela enquanto estava com Thomas no descampado da mata. Eles repassaram todo o plano até ele ser completamente memorizado. Ela ainda repetira tudo várias vezes em sua mente, enquanto se dirigia à gruta onde se encontrava. No entanto, ao dizer as palavras a Monhãi, não as viu assim como palavras decoradas. Ao contrário: elas saíam de seus lábios como palavras enraizadas em sua mente, introduzidas há milênios. Naquele momento, ela e a Porãsy original eram uma só.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora