Fantasmas do passado - Parte I

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Era uma cela escura aquela em que ele foi largado. Não que seus olhos de bicho noturno tivessem dificuldade para discernir algo por conta daquilo. Quando muito, as cores; via em tons de claro e escuro, só encontrando completa escuridão quando os fechava.

Adam estava apenas com suas calças, já surradas. As correntes prateadas prendendo seus pés ao chão e as mãos uma a outra. Seis noites haviam se passado desde que perseguiu e confrontou o pai, apenas para descobrir que sua nova condição o tornou incapaz de tocar nele. Não era uma ameaça ao monarca, pelo contrário. Naquele momento, era apenas um prisioneiro cuja existência dependia da boa vontade dele. Algo extremamente humilhante.

Ele sentiu sede, cada vez mais intensa. Sede essa que já sabia não poder ser saciada com água ou bebida forte. Era sede de vida. Algo profano, que o fez lembrar-se de suas já tantas vítimas em tão curto tempo. Lágrimas molharam seu rosto, mais ainda quando lembrou do prazer que sentiu ao fazê-lo. Quando seus instintos de predador assumiram o controle.

Adam não tinha companhia alguma em seu enclausuramento. E como não precisava de alimentos ou tinha necessidades físicas comuns, pouco trabalho dava a seus carcereiros. Por isso mesmo, nunca os via. Adam sabia que todos os dias eles vistoriavam sua cela, mas por conta do sono diurno a que estava condenado, não testemunhava tais momentos.

Vez por outra ouvia seus passos pelos corredores próximos. As vezes alguma conversa ou risos, mas nenhuma palavra sequer dirigida a si. E então, na sexta noite, sons de diferentes passos quebraram por fim o silêncio. Algo de madeira tocando o chão no mesmo ritmo de um caminhar vagaroso, lembrando uma bengala. Adam fez questão de limpar as lágrimas vermelhas antes de ser visto, buscando aparentar o máximo de dignidade possível.

Quando o visitante se fez visível, ele não pôde esconder a surpresa. Era um homem muito velho, como raramente se via, aparentando estar na casa dos setenta anos. Vestia roupas clericais, apoiando-se na bengala ricamente ornamentada e andando com a dificuldade que o peso da idade lhe impunha. Seu olhar era pesaroso como o de um avô que observasse um neto posto de castigo.

— Sua alteza Adam Tepes, me dói o coração vê-lo nessas condições.

A voz apenas confirmou o que Adam deduziu ao ver aquela face: aquele era o padre Nicolae, seu principal tutor durante suas aulas no mosteiro. O sábio e bondoso homem de Deus que instruiu sua mãe na Santa fé e a ele mesmo, anos depois. Um rosto nostálgico que Adam não via há quinze anos.

— Padre Nicolae... não esperava ver seu rosto novamente, quanto mais, aqui — confessou, com um sorriso triste.

— A despeito de meus muitos anos, Deus quis conservar-me nessa terra, alteza. E me enviou até aqui, para cumprir a vontade dele.

O velho retirou das vestes uma chave que encaixou na fechadura, abrindo a porta da cela.

— O que está fazendo, santo padre?

— Vim libertá-lo, alteza.

Adam ficou por alguns momentos parado, tentando entender o que acontecia.

— Sabe o que sou, Nicolae? O que meu pai é?

O velho apenas confirmou com a cabeça.

— Ainda assim me dará a liberdade? Não teme a ira do príncipe?

Nicolae levou a mão ao rosto de Adam, beijando sua testa.

— Estou aqui por ordem de seu pai, alteza.

— Meu pai? O homem que me transformou em um monstro, me acorrentou e jogou nessa cela... O senhor diz que ele é quem o enviou para me tirar dessas correntes?

Filhos da NoiteWhere stories live. Discover now