12. Sinos que trazem notícias

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Era uma caravana de mais ou menos duzentos aldeões em direção à Starler. Alguns soldados iam na frente e o resto atrás do grupo. Mas estava tudo bem até ali, sem sinal de nenhum ladrão ou soldados de outros reinos. Os aldeões conversavam animados com o fato de voltar a Starler, alguns iam pela primeira vez.

- É ruim estar saindo da minha casa por causa de uma guerra, mas sinto que terá coisas boas para mim em Starler! - um jovem exclamou, animado. Algumas pessoas concordaram.

Dinah e Camila permaneciam caladas e emburradas. Era um jogo dos deuses, elas tinham certeza. Voltar à Starler era uma jogada de mestre dos deuses.

- Para mim, é uma oportunidade de me despedir do Rei Michael! - um ferreiro extremamente gordo disse num tom alto. - Eu soube por viajantes que ele está quase indo embora e é um homem de honra que merece o nosso respeito!

- É verdade! - a dona da estalagem concordou. - Eu era bem pequena quando Voya e Sorja guerrearam pela primeira vez, porém lembro que o Rei nos levou para dentro de suas muralhas, nos protegeu, nos alimentou… - ela contava tudo num tom de orgulho. - Quando voltamos a aldeia no final de tudo, a estalagem do meu pai havia sido queimada! O Rei exigiu dos voyanos e sorjeiros moedas de ouro para recomeçarmos a nossa vida! Ele é o único Rei que um dia respeitei. - infatizou.

- E essa filha dele, a Rainha… - o dono da taberna falou. - Ela já merece o nosso respeito apenas por abrir os seus portões. Eu só não sei o nome dela…

- É Lauren. O nome da Rainha é Lauren. - Camila respondeu de imediato. Todos a encararam um pouco surpresos, mas logo voltaram a conversar como se ela nada tivesse dito.

Viram as muralhas do reino de muito longe, mas isso já foi motivo suficiente para uma euforia geral. As bandeiras azuis de Starler com um dragão branco no centro eram pontinhos minúsculos balançando com o vento. Mais histórias foram contadas sobre o reino, mais risos, as vezes algumas lágrimas de saudade e orgulho…

Entretanto, nada tirava as expressões de desânimos das duas estrangeiras sentadas na carroça gasta, puxada por um burro já velho. Elas continuavam a fitar as pessoas com desinteresse e a olhar além das muralhas, focando no grande castelo cinza que se erguia majestosamente, os estômagos embrulhando.

Camila pensava sobre como seria no instante em que pisassem dentro das muralhas. Reconheceriam-na? Seria ignorada?

Como poderia prever a ação da Rainha se ela era tão peculiar? E como resistir a ela se caso voltasse aos seus aposentos? Por que Lauren tinha de ser tão hipnotizante? Por que o timbre da voz dela era uma rouquidão sensual, mesmo que não estivessem falando nada obsceno? Por que seu sorriso mexia tanto com Camila? Ela já tinha visto milhares.

Mas principalmente: por que os gemidos de Lauren estavam no topo de uma lista de preferências? E por que tanta intensificação num sexo?

Camila balançou a cabeça, negando para seu próprio cérebro dando voltas. Ela sabia a resposta, apenas não queria acreditar.

Ao seu lado, Dinah já tinha se cansado de se manter sentada. Ela deitou sobre o feno, sentindo o luz do Sol queimar o seu rosto e fechou os olhos, lembrando da sensação que era ter os lábios de Normani sobre os seus.

Era então como uma maldição para ela? Seu primeiro amor seria alguém que não poderia ter? Porque sim, estava apaixonada por Normani desde o momento em que ela enfiou uma adaga no pescoço do homem que tentou violentá-la. Estava apaixonada porque Normani era o que ela gostaria de ser: impotente, séria e útil.

-Você acha que eu sou insuficiente para ela? - Dinah perguntou, ainda deitada, ainda de olhos fechados.

Ela não viu, mas Camila revirou os olhos.

- Ela tem um cargo no meio da realeza, mas ela não é da realeza. - Camila bufou. - Agora imagine eu. Eu que sou realmente insuficiente. Normani está apenas com medo.

- Você pelo menos tem um dom, mesmo que ele não seja muito comum. - a loira riu, mas depois ficou séria. - Eu não sei fazer nada, vou ficar na sua sombra para sempre, precisando da sua ajuda para tudo…

- Para, Dinah. - a morena a calou com um dedo nos lábios, Dinha finalmente a encarou. - Temos tanto tempo para descobrir o seu dom, a vida está apenas começando, não se masterize assim.

Dinah assentiu, voltando a fechar os olhos. Voltando a encontrar olhos escuros em sua mente.

O primeiro rosto conhecido que viram foi do soldado Travis. Ele as encarou por cinco segundos mas depois desviou o olhar, voltando a sua tarefa de direcionar os aldeões para casas vazias. Quando chegou a vez das duas na fila, Travis apenas acenou com a mão para que avançassem, dispensando o contato visual ou ao menos um cumprimento educado.

Camila e Dinah por sua vez o ignoraram, torcendo para que ele não dissesse nada a Liam.

Elas conseguiram dois carregadores de malas para levaram seus baús até a estalagem que estavam à dois dias atrás. Subiram uma ladeira de alguns metros, virando à esquerda num beco com forte cheiro de urina.

- Argh, malditos mendigos, vivem mijando nas porras dos becos. Esse cheiro é insuportável. - o grandalhão ruivo reclamou.

Eles não tem culpa de não ter onde morar, insensível.” Camila pensou, mas resolveu não dizer, prezava pela sua paz.

Quando chegaram à estalagem, os homens colocaram os baús no chão e fizeram uma careta para a entrada da estalagem.

- Não podemos entrar nessa pocilga. - o grandalhão negro cuspiu as palavras com raiva.

- Desculpem, senhoritas. - o ruivo disse coçando a cabeça. - Briga de bêbados, estamos proibidos de entrar.

-Oh - Dinah assentiu - tudo bem, eu vou procurar aqui suas moedas.

- Cinco de prata. - lembrou o negro. Dinah assentiu de novo, mas não deu muita atenção ao homem pois estava remexendo em sua bolsa de camurça escura, as moedas cintilavam ali dentro.

De repente, um som estrondoso foi ouvido. Quem passava pela rua parou instantaneamente, olhando para o céu. Ou melhor, olhando para a igreja, onde atrás de si o Sol se punha, era uma visão e tanto. Os sinos da igreja tintilavam altos e repetidamente.

Mas quando Camila olhou novamente para os rostos dos starlenses, ela assustou-se: todos estavam com cara de choro, alguns já chorando. Os dois homens à sua frente murmuravam algo não-audível.

- Desculpe-me. - ela chamou o negro. - Mas o que está acontecendo aqui? Por que os sinos estão tocando a esta hora?

- Os sinos trazem notícias, estrangeira. - seu tom era sombrio, a expressão agora era muito mais dura, Camila se assustou novamente. - Hoje eles trazem umas das piores notícias: o Rei está morto.

E Camila sentiu um gosto ruim na boca ao pensar no ferreiro que jamais poderia se despedir do Rei.

E de Lauren naquele quarto vazio, chorando sozinha uma dor inconsolável.

A Concubina RealWhere stories live. Discover now