Paris, Maio de 1956.

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- Com pimenta ou sem? - Sofia entregou duas tigelas fumegantes para Keith, que estava usando roupas confortáveis. Depois da chuva, uma garoa fina como lágrimas assustava aquela madrugada. Os mendigos ainda tossiam e a D. Marshela estava em oração.

- Sem - Ele pediu e pegou a bandeja. Sofia arrumou os talheres - Sofia, por que está acordada?

- Até que todos estejam bem, prefiro continuar alimentando eles - Ela terminou - E aquele estranho em tua porta?

- É um amigo. Está ferido.

A menina concordou e foi até o armário. Pegando um kit de primeiros socorros em uma caixinha de ferro batido, entregou à ele.

- Faça alguns curativos. Depois é só devolver para minha mãe. Preocupo eu, as feridas se infeccionarem.

Keith pegou.

- Grato -Ele suspirou - Bem, melhor subir. Está tarde.

- O chuveiro ainda tem água quente, se te interessa. A caldeira não quebrou nesses dias. Mas me responda algo?

- Sim, menina.

- Que amigo é esse que desafia a pior tempestade do século apenas para visitar um velho amigo?

Keith corou-se.

- Hm...

- Keith, não me importa sua vida - A garota voltou sua atenção à canja de galinha borbulhando - Mas se um amigo atravessasse Paris inteira apenas para me esperar pela madrugada, enquanto eu estou no trabalho, eu pediria em casamento.

- Não diga pachouchada, Sofia. Sou homem.

- Federico Garcia e Oscar Wilde eram homens também - Ela justificou. Keith perdeu tal fala.

- Sofia, minha sexualidade não é pauta de conversa para ninguém.

- Sei que não é. Mas eu palpito às vezes.

- Vai contar isso para sua mãe?

- Eu? - Ela riu - Keith, sou criança. O que eu digo, nada acontece e ninguém acredita. Por isso, minha boca é um túmulo. Melhor ir, a canja está esfriando.

Keith deu de ombros e pegou a bandeja.

Subindo as escadas, ele pensou no que Sofia disse e pensou o quão seu coração se alegrou com Frederick de volta. Após o despir, o enrolou nos cobertores, e saiu para procurar sopa.

Quando abriu a porta do quarto, encontrou os dois gatos de rua, ronronando entre as pernas de Frederick, em um sono tácito, e o rapaz, desnudo. Provido de uma calça bege emprestada de Frederick, as roupas dele estavam no canto, na mala. Juntamente com o pacote de dinheiro que trouxe.

Keith trancou a porta e se tentou a tomar um banho. Mas algo lhe dizia que Frederick queria que ele ficasse no ambiente.

Assim que a vitrola começou a tocar Boris, Keith entregou a tigela para Frederick.

- Espero que esteja com fome.

- Faminto - Frederick começou a comer - Obrigado por me acolher.

- Não deveria eu, mas cá estamos - Keith se encostou na cadeira e acendeu um cigarro - O que está fazendo em Paris novamente?

- Paris é meu lar.

- Não há duas semanas atrás.

- Não tente remoer o passado, Keith.

- Duas semanas atrás não são dois anos atrás. Tenho sumo direito de remoer o passado.

- Ter, tem. Mas prefiro que não o faça.

Alabama Song ➳ Larry versionOnde histórias criam vida. Descubra agora