4 - Eu estou com medo

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Eu não tenho para onde ir, mas isso não me importa. Nada me importa, no momento só sinto raiva.

Como não peguei a bicicleta apenas passo chutando todo poste e parede que encontro pela frente.

Eu queria tanto parar em algum lugar e quebrar tudo. Queria que algum dos moradores me visse, que chamasse a polícia.

Queria sentir a mesma adrenalina que senti naquela noite.

A ideia me excita, pensar nas luzes piscando, no barulho das sirenes... mas as lembranças do que aconteceu depois me trazem de volta para a realidade: eu não posso fazer nada.

Suspiro cansado, cansado de tudo, e tento segurar o choro. Eu queria voltar no tempo, eu queria poder culpar alguém pelo que está acontecendo.

Queria poder dizer que se eles estivessem do meu lado naquela época eu não estaria assim agora. Mas é algo que eu nunca vou saber, não é?

Grito de frustração.

As vezes paro e penso se vale a pena continuar vivendo desse modo, sem poder fazer nada errado, sentindo que todos estão de olho em mim.

Sei que provavelmente não estão, mas ainda me sinto desconfortável. Só queria poder sair dessa cidade de merda e... Sei lá, ir morar num campo. Mas sei que não posso fazer isso.

Eu não aguento mais, eu preciso de adrenalina, eu preciso me sentir vivo. Começo a correr e volto a sentir como se alguém me observasse.

Não consigo mais segurar o choro mas faço o maior esforço que consigo para correr mais rápido. Porém com o tempo começo a sentir falta de ar, mas não quero parar de correr, ainda sinto que algo ruim vai acontecer.

Então não paro, continuo correndo até sentir uma dor forte no peito. Paro e me apoio na primeira coisa que encontro e sinto meu corpo tremer.

Pronto, reclamei tanto que agora vou morrer mesmo. Sinto um frio na espinha e o fato de estar chorando dificulta ainda mais ainda mais a respiração.

Alguém sai da casa na qual estou na entrada e fala algo mas não me sinto no diálogo, não entendo o que ele fala e isso assusta mais.

Sinto minhas pernas vacilarem e caio no chão.

Eu vou morrer. Eu vou morrer.

O mundo começa a ficar preto e luto contra isso, mas é inevitável.

...

Grito.

- Ei, ei, calma, calma.

Sinto os braços da pessoa rodearam meu corpo e tento me soltar desesperadamente.

- Ei, relaxa. Eu não vou te machucar, prometo que não vou te machucar. Olha, tenta respirar fundo, fechar os olhos, pensar em algum lugar bom.

Faço o que ela pede não sei porquê.

Tentar respirar fundo é difícil, mas fecho os olhos e penso no parque no centro da cidade, aquele é um lugar bom.

Aos pouco minha respiração volta ao normal e os braços, lentamente, me soltam.

E então a pessoa para na minha frente e reconheço a garota estranha dos livros.

- O-o que aconteceu? - pergunto ainda confuso.

- Pelos sintomas, creio que teve uma crise de pânico.

- Crise de pânico? - pergunto assustado.

- Eu acho, mas você deveria ir no hospital.

- Não tenho dinheiro para ir no hospital - ela vai falar algo mas a interrompo. - Onde eu estou e como eu vim parar aqui?

- Você está na minha casa. E está aqui porque desmaiou em uma dessas casas aqui perto e queriam te denunciar como bêbado, mas você não parecia bem, então te trouxe para cá.

- Obrigado - falo baixo e ela sorri.

- De nada.

Levanto mas ainda estou meio zonzo.

- Relaxa garoto, você acabou de ter um piripaque, não se esforce desse jeito.

- Faz muito tempo que estou aqui? - não  quero ficar aqui.

- Entre dez e quinze minutos - ela diz tranquila.

- Eu tenho que ir para casa - digo levantando novamente.

- Não vou te deixar ir sozinho para casa depois de ter tido um ataque de pânico - ela fala seria.

- Você não manda em mim - digo. - Sou bem grandinho para saber o que posso ou não fazer.

- Pelo menos sabe o que fazer se acontecer de novo?

- Isso pode acontecer de novo? - Ela afirma com a cabeça. - E você sabe o que fazer?

- Sei, já li sobre isso.

- O.K. Então, você me explica e depois eu vou.

Nunca admitiria para ela que o fato de isso poder acontecer de novo me fez gelar. Eu nunca me sentir tão mal em toda minha vida, eu realmente achei que ia morrer.

- Nada disso, tem alguém que possa te pegar aqui? - nego com a cabeça. - Então você fica no quarto de hóspedes e amanhã a gente conversa.

- Mas...

- Sem mas. Eu juro que não vou te matar enquanto você dorme nem nada do tipo. Mas isso é o melhor pra você agora.

Rio do seu comentário.

Eu não devia ficar, não devia deixar ela cuidar de mim, não devia arrastá-la para meu mundo cheio de problemas.

- O.K., eu fico por hoje.

Forever - KTHOnde as histórias ganham vida. Descobre agora