Capítulo 125

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Meus dedos tremem, fazendo com que o caderno tenha um leve movimento entre minha mãos.
Então ele quem me deu o Charlie ?
Respiro fundo e olho em volta devagar, o lugar estaria vazio se não fosse pelos carros enfileirados e as poucas motos. Sinto algo em meu peito queimar ao perceber que Andrew foi mesmo embora e nem sequer olhou para trás, o peso da mochila me lembra que ela ainda está ali e eu fecho o caderno com raiva, pensando em como eu fui idiota ao acreditar que Andrew poderia não descobrir os sentimentos de Daniel por mim, que talvez, só talvez, tudo isso ficaria guardado entre mim e o garoto de olhos azuis. Mas ...
No fim das contas, o que eu queria evitar ao contar a verdade acabou piorando o resultado da minha omissão.
Deixo o estacionamento ainda sem conseguir racionar direito, subindo os cinco degraus da escada como se meus pés estivessem amarrados a centenas de pesos, me torturando para entrar no prédio e ir atrás de Daniel.
Eu preciso de respostas.
Respostas que Andrew não vai me dar, corrigindo, não quer me dar.
Empurro as portas duplas me deparando com um corredor ainda cheio de alunos, o sinal, como se soubesse da minha confusão interna, toca alto e estridente, fazendo com que alguns alunos entrem nas salas do corredor e outros subam para o andar de cima, quase atropelando a si mesmos por culpa da pressa.
Deixo uma mecha fina cair sobre a testa suada e percebo que subitamente me apareceu uma fraqueza. Com a manga direita da camisa azul, seco as gotas que se formaram em minha nuca. Forço meus pés a continuarem andando até ver a placa que me dará respostas.

Enfermaria.

Dou duas batidas na porta e sou recebida por um enfermeiro alto e moreno, dou meu melhor sorriso, sabendo que erguer os cantos dos meus lábios exige muito mais da minha energia.
A qual não está em seu melhor dia.
- posso falar com o Daniel ? - minha voz sai baixa, mas o enfermeiro ouve em alto e bom som.
- cinco minutos senhorita, vou ir buscar mais gelo. - sua voz me causa arrepios, mas não dos bons.
Aquele enfermeiro é quase um armário ambulante, e eu me pergunto aonde estaria a senhora que sempre fica por aqui. Ele me cede passagem e sai, fechando a porta atrás de mim e me deixando com o garoto deitado na maca.
O lugar não tem cheiro de sangue, o que significa que Daniel não se feriu muito. Mordo o lábio e aperto o caderno contra o peito, sentindo a capa dura machucar meus seios por baixo do tecido fino do sutiã e da camisa. Daniel está deitado com a barriga para cima, a camisa enrugada em cima das longas pernas e os braços esticados ao lado do corpo. O tórax desnudo e os olhos fechados, a pele perto do nariz um pouco avermelhada e o maxilar trincado e vermelho. Realmente, ele ainda parece intocado.
- o que aconteceu lá fora ?
Devagar, ele abre os olhos e se vira em minha direção, deixando os globos azuis como o oceano me encararem com um misto de confusão - por eu estar ali, ao invés de estar com Andrew - e medo - por estar com seu caderno preso ao peito. Dou dois passos para frente e o vejo se sentar com rapidez, o abdômen com algumas manchas em vermelho e roxo, o supercílio esquerdo com um corte não tão profundo e os lábios um pouco inchados.
Nenhum dos dois saiu ileso.
- depende do que ele te contou.
Sua voz sai carregada de raiva e desgosto, o que me faz desviar os olhos de seu rosto machucado e voltar a olhar em seus olhos.
- ele não me contou nada. - ergo o queixo para reprimir a vontade de chorar.
- se está com meu caderno nas mãos, já deve saber o motivo, certo ? - os cabelos castanhos desgrenhados, alguns fios colados em sua testa.
- eu não olhei seu caderno por que queria invadir sua privacidade, agora por favor, me conte que merda aconteceu ? - minhas pernas quase desistem de me manter de pé, o que me faz trocar o peso de um pé para o outro.
- eu estava passando pelo estacionamento, tinha acabado de chegar e sem querer esbarrei em Andrew e nos meninos do time. - ele passa a mão direita pelos cabelos, deixando os fios lisos ainda mais incompreensíveis. - meu caderno caiu no chão com o encontrão e um dos meus desenhos ficou exposto, Andrew viu e não gostou, tudo só piorou quando Kevin folheou o caderno, tinha uma infinidade de desenhos seus lá.
- não vou te perguntar o por que desses desenhos todos, não é da minha conta. - respiro fundo, sugando um pouco de ar com dificuldade. - por que Andrew sabia que eu já tinha tinha noção dos seus sentimentos ?
- nós discutimos, ele disse que mesmo se você não estivesse com ele nunca me daria uma chance e que esses desenhos eram o máximo que eu iria ter de você. O sangue me subiu, e por favor Mia, não me culpe por ter dito que você já sabia dos meus sentimentos e mesmo assim não me afastou, eu precisava se alguma forma fazer ele calar a boca e parar de tentar me ferir daquele jeito.
As mãos sobem para o seu rosto e vejo os dedos se ficarem nos fios castanhos, os puxando para trás e me fazendo parar de respirar por um momento.
- olha, eu sei que quando estamos bravos saem coisas que não queremos falar, mas Daniel, você não podia ter feito isso. Por Deus, eu não contei nada a Andrew por querer evitar o que aconteceu hoje e, acabou saindo pior do que deveria.
- me desculpa, eu nunca fui bom para você, nem mesmo quando não nos falamos, por que seria bom ao tentar forçar uma amizade que não pode existir, não é ?
- não vá por esse caminho, okay. Eu confesso que você poderia tomar mais cuidado com as palavras, até com aonde carrega esses desenhos. - estico os braços, deixando o caderno em cima da maca, ao lado de seu quadril. - a última coisa que você precisava era mais uma briga e a última coisa que eu precisava, era que Andrew deixasse de confiar em mim por guardar seu segredo.
- acredite Mia, se eu pudesse arrancar isso de mim só pelo fato de parar de te trazer problemas, eu arrancaria com toda a vontade do mundo, mas infelizmente, eu não decidi gostar de você.
- por que me deu o Charlie ? - fecho os olhos ao citar o nome do gato, querendo mudar o assunto antes que fique mais estranho e desconfortável.

GraysonOnde as histórias ganham vida. Descobre agora