Capítulo 142

21.3K 1.6K 352
                                    

Sua expressão séria voltou a dominar, as sobrancelhas grossas quase se juntaram e seus lábios formaram brevemente um bico. O sinal do fim de aula tocou e, a ordem da senhorita Tunner era de deixar os testes sobre a mesa e sair sem pressa. Me levanto rápido, pegando a mochila peça alça direita e indo em direção a Sam. Toco em seu braço, puxando o lado esquerdo de seu corpo em minha direção e aproximando os lábios de seu ouvido.
- me espera na aula de literatura, eu chego lá em cinco minutos.
- vai conversar com Andrew ?
- sim.
- vá com calma, esse assunto é delicado. Boa sorte morango.
Ele me dá um beijo casto na testa, um sorriso acolhedor aparece por poucos segundos em sua boca e meus dedos apertam as alças da mochila. Quando o último aluno deixa a sala acompanhando a senhorita Tunner eu me viro, encontrando Andrew sentado sobre a carteira com os bravos cruzados. Me aproximo novamente, sentindo a bile descer com dificuldade pela minha garganta.
- eu disse para você ficar longe dele ruiva. - sua voz não esconde a raiva e talvez, até a decepção por eu ter dado algum tipo de confiança a Anthony.
- Andrew, olha... seu irmão parece estar, de alguma forma, arrependido.
- arrependido Mia ? Arrependido de que ? De ter feito da minha vida um verdadeiro inferno por causa de dinheiro ! - encolhi os braços no momento em que ele aumentou o tom de voz.
As bochechas sendo tomadas pelo vermelho e as pupilas dilatando, aos poucos sugando o verde límpido.
- Andrew, eu sei que ele pode ter feito muita coisa ruim... mas não tem como negar que, ele cuidou de você naquele dia em que estava bêbado.
Seu queixo sobe um centímetro, ele me olha de cima e solta uma pequena risada quando percebe aonde eu quero chegar. Seus braços caem para os lados do corpo, os pés sendo levantados para ficarem em cima da cadeira.
- não foi o meu primeiro porre ruiva e, muitos deles já foram presenciados pelo meu irmão, mas ele nunca me ajudou. - por um segundo, Andrew vira o rosto para olhar pela janela antes de me fitar. - naquele dia, eu demorei a entender o motivo dele ter feito sua boa ação, mas vendo você dizer essas palavras agora já está tudo explicado.
- o que quer dizer ?
- meu querido irmão está visando muito mais do que a minha parte nos negócios da família.
Ele devolve os pés para o chão, se levantando e dando poucos passos até mim. O barulho dos alunos correndo entre as salas é a única coisa que me impede de ouvir sua respiração.
- Anthony quer você ruiva, deixou isso bem claro quando colocou essas idéias idiotas na sua cabeça. Deveria ter ficado longe quando eu pedi, agora ele já sabe exatamente o que fazer, exatamente o que falar e exatamente como conseguir tirar você de mim. Aquele babaca quer tudo o que é meu Mia, e você não é uma excessão.

" "

Me sento no banco de madeira do parque e largo a mochila sobre as coxas, os olhos em um perfeito transe ao notar os cisnes nadando suavemente pelo lago. A água em um tom de azul escuro. Respiro profundamente, absorvendo as palavras de Andrew, sentindo as entrarem de uma vez em minha cabeça.

Aquele babaca quer tudo o que é meu Mia, e você não é uma excessão.

E mais uma vez Anthony Grayson foi o motivo de uma discussão entre Andrew e eu. Aqueles olhos azuis conseguiram esconder a ganância e a monstruosidade por algum tempo, mas não o tempo no qual Anthony achou que teria. Se o seu objetivo era me deixar em maus lençóis com o irmão, ele conseguiu. Molho os lábios com a ponta da língua ao sentir o vento soprar um pouco mais forte do que antes, as poucas pessoas que passam por mim sorriem fraco e continuam em seu caminho. O celular toca e eu estico a mão para alcançar o bolso da lateral esquerda da mochila, o aparelho vibra em minha mão e eu o viro para ter acesso a tela. O nome de Andrew aparece e durante alguns segundos eu me pego encarnado a tela, observo meu dedo deslizar até o ícone vermelho.
Recusar chamada.
Enfio o celular no bolso novamente e puxo as pernas para apoiar os pés sobre o banco, deixando os joelhos na altura do queixo e notando o quanto é deprimente pensar em como as pessoas gostam de brincar comigo. Fecho os olhos por um segundo, derepente imaginado como seria se eu tivesse lido todas as cartas que meus pais me mandaram durante todos esses treze anos em que foram embora. Se talvez, eu entenderia o porquê da decisão de irem embora e me deixarem para trás, mesmo sabendo que isso foi o melhor para mim e com certeza, para o meu avô. Os pedaços do meu coração ainda estão se juntando, pouco a pouco, as rachaduras dão forma a uma linha avermelhada e fina que une uma parte a outra.
Mas e quando alguém o fere de novo ? Mesmo que seja um partícula mínima ? O que acontece ?
A linha fina volta a sangrar e aos poucos, ele se racha novamente, aumentando a distância entre os pedaços. Uma mão toca minha nuca e o vento sopra forte dessa vez, o cheiro maravilhoso do perfume de Sammy invade minhas vias respiratórias e eu abro os olhos ao inclinar a cabeça para trás e encostar o topo dela no abdômen dele.
- achei que te encontraria aqui, fui no Mark's e Carol disse que você não vai lá a alguns dias. - Sam acaricia os cabelos próximos ao meu ouvido esquerdo.
- estou devendo uma visita a ela. - encaro seus olhos castanhos, quase tão claros quanto mel.
- quer me contar o que aconteceu ?
Balanço a cabeça em positivo e me inclino para frente, endireitando a postura e retirando a mochila de cima do banco, cedendo espaço para meu amigo se sentar.
- Andrew me garantiu que as atitudes boas de Anthony são parte de algum tipo de jogo, e de certa forma, eu concordo com ele. - os patos começam a aparecer, alguns filhotes nadam rápido o suficiente para alcançar os pais um pouco mais a frente.
- ele conhece o irmão morango, e também, não haveria porquê ele mentir. Andrew já deixou claro a décadas que odeia o irmão com todas as forças e tem motivos para tal coisa.
- eu sei Sammy, o problema é que mesmo com tudo isso rolando, eu não consigo juntar todas as peças. - deito a cabeça em seu ombro.
- mas vai conseguir, é só parar de tentar ver bondade em todo mundo Mia. Eu disse que isso ainda iria te causar problemas.
- só não diga  " eu te avisei ".
- okay, eu não vou dizer porque a vida já tratou de te mostrar isso.
Infelizmente Sam, não foi do melhor jeito.

" "

Com os pés desnudos deixo minha cama para ir atender a porta, já que a cinco insistentes minutos alguém está a tocando a campainha sem parar.
- já estou indo ! - digo alto ao chegar na escada, rezando para que a pessoa escute e pare de apertar a campainha.
Quando esse som passou a ser tão irritante ?
Ando na ponta dos pés, tentando amenizar os calafrios que percorrem meu corpo a cada vez que um dos meus dedinhos encostam no piso de madeira gelado. Chego até a porta e a abro, encontrando Andrew e sua típica expressão fria. Suspiro pesado, me virando para o lado e cedendo passagem a ele, que entra depressa e já se escora na parede da copa da cozinha.
- por que faltou as suas últimas aulas ?
Sua voz não saiu autoritária como seu rosto sugere, mas sim extremamente preocupada e até, decepcionada.
- olha, depois da nossa conversa eu não tinha mais cabeça para nada.
- pensando demais do Anthony e em todas as suas palavras bonitas ?
- não Andrew, pensando em como as pessoas encontram tanta facilidade em me fazer ver o seu melhor lado mesmo me mostrando sua pior face.
O pomo de Adão em sua garganta se mexe, dando a entender que sua laringe está tão seca quanto a minha. Fecho a porta e me viro devagar, dando poucos passos em sua direção e me arrepiando a cada um deles.
- Sam me disse que uma hora minha ingenuidade iria me trazer problemas e hoje, depois da nossa conversa eu notei que ele tinha razão. - sua boca se abre poucos centímetros, me fazendo levantar uma das mãos para que ele me deixe terminar. - eu sinto muito por ser assim, não era minha intenção tornar isso desconfortável e eu só queria dizer que vou fazer o que você pediu, vou me afastar de Anthony e diminuir qualquer aproximação que possa existir.
Ao tocar os pés inteiramente no chão, trinco o maxilar, engolindo o choro por ser tão sensível e fraca em momentos que exigem minha força e determinação. Andrew deixa os braços caírem para os lados do corpo, o peito subindo e descendo em um ritmo calmo, os olhos verdes amendoados transmitindo a vasta confusão interna. Cruzo meus braços, tentando cobrir meus mamilos enrijecidos por conta do frio.
- se eu pedisse para você não falar mais com ele, em hipótese alguma ?
- se você disse que ele tem segundas intenções comigo, eu aceito. Não quero mais brigar com você amor.
Ele fecha os olhos por um momento, os lábios úmidos e avermelhados atraem minha atenção enquanto sua imensidão verde está escondida pelas pálpebras. Olho meus pés, as unhas dos dedos em um tom de lilás, beirando o roxo e a pele um pouco mais branca do que o normal.
- vem aqui ruiva.
Levanto o queixo, percebendo que Andrew se aproximou um pouco e está a quase três passos de mim. Estico os braços e caio em seu tórax, apertando seu corpo e respirando em paz no momento em que seus braços repetiram meu gesto e envolveram minha cintura.
- eu queria mesmo acreditar que Anthony é bom ruiva, que ainda possa haver alguma chance de mudança. Mas a cada dia que se passa, tenho mais certeza do que te disse antes : Anthony é uma máquina que fabrica ganância e inveja a todo o vapor, dominando aos poucos tudo o que toca. Então por favor, não deixe ele te tocar também, não quero perder a única coisa em que tive êxito na vida.


GraysonOnde as histórias ganham vida. Descobre agora