Capítulo 143

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O uniforme de educação física continua tão pequeno quanto da última vez em que eu o usei, mas dessa vez, tratei de vestir uma regata branca por baixo da camisa. Após amarrar meus cabelos em um perfeito rabo de cavalo bem no topo da cabeça, deixo o vestiário ainda sem esticar as meias para cima, as deixando enrugadas na altura dos calcanhares. Na quadra, Alec Reed explica seus critérios avaliativos do semestre segurando uma bola de vôlei nas mãos.
O único e maldito jogo que ele nos passa além do basquete.
- vocês terão de participar de todas as aulas, terem êxito nas atividades e ainda me entregarem um trabalho escrito no meio do semestre. - ele para e percebe minha aproximação.
Foram só cinco minutos de atraso !
- não vou tolerar atrasos e muito menos desculpar esfarrapadas para a não participação nas aulas, a não ser que me apresentem uma ordem dos pais ou atestado médico. Como já ficaram sabendo, todos os professores terão que atribuir um ponto as notas finais de vocês por causa da exposição de sexta feira.
Mordo o lábio e penso em como eu desejava do fundo do meu coração não ter demorado para vestir o uniforme, Alec ficava consideravelmente insuportável quando alguém chegava atrasado.
- vamos dividir os times okay, ímpares para um lado e pares para o outro.
E o velho método está de volta.
Andrew está um pouco atrás do professor, com os bravos cruzados e os tríceps marcados, em uma entretida conversa com Cooper e Jason. Enquanto Alec se retira brevemente para apanhar o apito sobre sua prancheta em um dos bancos da arquibancada, noto que Daniel está conversando com Ashley, uma garota dos grupos dos góticos que não leva muito a sério essa história de maquiagem pesada e cabelos com fortes diferentes. Ashley é um pouco mais alta que eu, tem cabelos castanhos com algumas mechas roxas e velhos olhos negros, sua pele em um tom de caramelo que a deixa atraente. Usando o mesmo uniforme obrigatório para a aula, ela deixa suas botas e calças rasgadas de lado junto com as jaquetas de couro. Fico feliz por Daniel finalmente ter conversado com uma garota sem agir feito um perfeito babaca, tudo o que ele precisava era de um fato traumático para mudar e se tornar alguém melhor. Algo toca meu ombro, me despertando do transe que Daniel, Ashley e suas mechas roxas me colocaram.
- você está no meu time ruiva. - a voz de Andrew é música para meus ouvidos. - venha e fique atrás de mim.
- claro, até porque eu não quero ter que sofrer com outra bolada na cara por estar olhando os seus braços.
No momento em que a última palavra sai de minha boca, sinto o calor subir por minhas bochechas.
- então você estava me olhando ?
O sorriso presunçoso em seus lábios não esconde o divertimento em me ver tão vermelha quanto um tomate, os dentes prendendo o lábio inferior por um momento.
- só não se vanglorie okay, já é convencido o suficiente.
- vou aceitar isso como um elogio, agora vem antes que o Alec comece a pegar no nosso pé.

" "

- eu gostaria de dizer que já terminei de corrigir todas as sínteses de vocês e devo dizer que estou impressionada. - a senhorita Rubin se levanta de sua cadeira e cruza os braços ao se apoiar no quadro negro. - todos me deixaram com um ótima impressão sobre Shakespeare e sua obra em todos os sentidos, até às críticas negativas sobre o final dos livros ou sobre o enredo. Espero que durante o ano letivo possamos realizar mais atividades assim, quero ver todo o potencial de vocês com o uso das palavras e da mente.
Pego a caneta cor de rosa e começo a pintar um flor desenhada no canto da folha do caderno, enquanto a flor não está totalmente colorida o pensamento de que os desafios do ano mal começaram invadem minha mente de uma forma brusca. O ano mal começou e eu já posso o considerar como o mais agitado em toda a minha vida. São tantos eventos que não considero a idéia de tentar relembrar todos.
- eu queria saber se algum de vocês gostaria de ler a sua síntese sobre os sentimentos para a turma. - deixo a caneta sobre a folha, a rosa ainda colorida pela metade. - garanto que darei um ponto extra a quem se voluntariar.
Os burburinhos começam, os grupinhos decidem entre si quais deles irá falar e eu me viro para trás, rolando os olhos ao perceber que Sam está babando sobre o caderno. Com a mão direita faço um breve carinho em sua nuca, usando as pontas dos dedos para tocar os pequenos fios nos quais ele não removeu no último corte de cabelo.
- Sammy, Sammy, acorda !
- só mais cinco minutos morango.
- senhorita Collins.
Volto a olhar para frente, encontrando a senhorita Rubin me olhando como se quisesse que eu falasse algo.
- sim.
- que tal ler sua síntese para nós, creio que o conjunto de palavras e frases que você usou deve instigar alguém a se voluntariar para ser o próximo.
Merda !
- mas eu não estou com ele.
- eu estou. - indo um passo para frente, ela estica um dos braços e pega um grupo de folhas presas por um grampo.
Seus dedos longos procuram a minha síntese, as unhas longas pintadas em um preto intenso dobrando a ponta dos papéis.
- aqui está, se quiser pode ler aqui na frente.
- prefiro ler daqui, por favor.
Ela acena positivo com a cabeça, saindo de trás de sua mesa e trazendo a folha até mim. A caligrafia feita em tinta azul logo me chama a atenção, mesmo que eu goste do meu estilo de letra, aqueles parágrafos não me deixaram satisfeita. A folha cai sobre meu caderno, cobrindo a cante rosa antes mesmo que a senhorita Rubin tenha chance de voltar para seu lugar em frente ao quadro negro. Quando ela se posiciona, cruzando as pernas depois de se sentar em sua cadeira eu apanho a folha.
- pode começar quando quiser.
Respiro fundo, tentando tomar coragem para falar sabendo que todos estão olhando para mim, sabendo que todos os olhos da sala estão vidrados em meu rosto.
-  Os sentimentos podem ser qualquer coisa que usamos como desculpa para tentar entender o que acontece dentro de nós, podem ser apenas expressões mal compreendidas ou até mesmo podem ser o que somos.
Meus sentimentos são confusos ou apenas eu que não saiba difundi los, separar cada um deles e lhes colocar um nome e função. O amor pode ser ódio, a raiva pode ser calma, o amargo pode ser doce, a vaidade pode ser desleixo assim como a confusão pode se tornar clara. A intensidade do sentimento pode causar dor, alegria, paixão, sofrimento mas em momento algum pode lhe trazer compreensão, essa dádiva só vem quando os sentimentos são puros. - paro um pouco para respirar, sentindo o coração martelar forte dentro do peito. - Meus sentimentos são indescritíveis, impassíveis e extraordinariamente fortes, fortes ao ponto de me fazer querer gritar. Os sentimentos podem ser ruins, podem ser bons, mas nada muda o fato de eles serem sentimentos, sentir nos torna mais humanos e racionais e quem diz não sentir... Não sabe o que fazer com tantos deles em seu peito.
Abaixo a folha, levantando os olhos devagar para encontrar os da senhorita Rubin.
- alguém quer comentar sobre a síntese da Mia ?
O silêncio é inquietante o suficiente para que ambos escutemos a respiração de quem está ao lado, à frente ou atrás.
- tudo bem, sem comentários. Alguém quer se voluntariar a ler agora ?
Antes que alguém possa protestar o sinal indicando o fim do quarto período toca. Alguns alunos saem tão depressa ao ponto de quase acontecer um engarrafamento na porta, ombros batendo em ombros e quase ouve xingamentos por parte dos góticos. Recolho meus materiais devagar, os guardando na mochila antes mesmo de conferir de Sam já despertou por completo.
- Sammy, acorda ! - me levanto.
O mesmo abre os olhos e retira os cabelos da testa, respirando fundo antes de colocar as pernas para fora e se levantar com uma lentidão extrema. O puxo para fora da sala logo após vê-lo jogar a mochila sobre as costas.
- sabe que a senhorita Rubin foi legal em deixar você dormir a aula toda, não sabe ?
- sei, mas foi só hoje.
- anda tão ocupado assim ? - caminhamos pelo corredor do segundo andar, logo chegando as escadas para o térreo.
- só estou ancioso para amanhã, é o primeiro jogo oficial do ano e Brandon está uma pilha de nervos.
- eu entendo, mas por que isso preocupa você ? - desço os degraus grudada em um dos seus braços.
- Brandon consegue ser muito negativo as vezes, e eu tento não deixar que ele se sinta pressionado a ter um bom desempenho no jogo.
- mas ele joga tão bem Sam.
- eu sei, ele também sabe, mas é a primeira vez que os Lions jogam contra os Tigers morango. Brandon ficou nervoso após saber que eles tem  um bom Ala.
- diga a ele para ficar tranquilo, nosso time é muito bom e se ganhamos dos Hanks, que eram os vencedores do campeonato do ano passado, por que não iríamos ganhar de um time que praticamente apareceu ontem ?
- é, tem razão. Eu não havia pensado desse jeito.
- só tente deixar ele calmo até amanhã, Brandon é um jogador importante e não podemos perdê-lo para uma pressão que ele mesmo se impõe.
- vou fazer o possível. - de longe, bem próximo as portas do refeitório Brandon aparece acompanhado de Andrew. - vamos lá, preciso falar com ele antes que o treinador o arraste para o ginásio novamente.
Os garotos do time estão sendo liberados de algumas aulas a pedido do senhor Martin, e essas aulas são as que antecedem o intervalo. Os treinos duram de quarenta minutos a uma hora e meia cada, o que exige bastante dos garotos e do próprio treinador Martin. Criar estratégias, rotas e planos para caso os jogadores adversários sejam melhores do que nos falaram cansa não só o raciocínio, mas também o corpo.
- oi amor. - abraço Andrew, absorvendo o perfume impregnado em sua jaqueta.
- oi ruiva, está tudo bem ?
- sim, eu só senti sua falta na aula de literatura.
- o velho Martin está pegando pesado conosco, mas vão valer a pena.
Sam sussurra no ouvido do namorado, arrancando não só um sorriso mas também um suspiro de alívio.
- vamos destruir os Tigers amanhã. - sorrio ao ver Brandon empolgado.
- pegou o espírito Jones ? - Andrew da um leve soco no peito do amigo.
- te mostro amanhã na quadra Grayson, agora vamos comer.
- eu apoio. - levanto uma das mãos, atraindo o olhar de Sammy.
- eu também.
Passamos pela porta ainda juntos, Sam abraçado a Brandon e eu a Andrew. Os olhares sobre nós podem significar muita coisa, afeto, ódio, rancor, intolerância. Muita gente aqui dentro finge não ligar para a atenção que o um casal gay recebe, mas no fundo, eles abominam a idéia de uma pessoa gostar de alguém do mesmo sexo, tanto que Brandon e Sam são um dos únicos três casais gays assumidos da JacksonVille High School. Claro, existem mais casais homossexuais por aqui, mas a maioria deles tem medo de serem julgados por sua sexualidade, mesmo havendo três casais que mostraram não se importar com a opinião alheia. Todos os anos são realizadas palestras sobre esse tipo de preconceito na escola, somos ensinados de que qualquer forma de amor é válida e que a vida do outro, é dele, não nossa para decidirmos quem ele deve ser ou de quem ele deve gostar.

GraysonOnde as histórias ganham vida. Descobre agora