doze.

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Não consigo ouvir nada do que a professora Coppola diz. Não há nada de errado com a minha audição, no entanto. Eu só estou exausta. Eu acho que ela está dizendo algo sobre o fundo soberano dos Estados Unidos e as finanças públicas, mas já me perdi na parte do "make america great again".

Uso minha mão como apoio para o meu rosto. Minha bochecha está derretendo entre os meus dedos. A sensação do ar entrando pela minha boca é tão reconfortante quanto tomar um sorvete em dias quentes. Refresca e acalma. A letargia transforma minhas pálpebras em toldos de duzentos quilos que despencam sobre os meus olhos. Não estou mais enxergando o painel do debate trimestral sobre política e cidadania que a St. Vincentti promove.

Estou dormindo.

Quero dizer, meio dormindo. Ainda sei que estou sentada numa cadeira em nosso auditório desmantelado pelo cheiro de mofo que respiro sem querer quando acho que vou começar a roncar se continuar a inspirar pela garganta. E sinto a presença de Cherie ao meu lado, anotando cada palavra dos palestrantes, o que faz com que a culpa me consuma.

Eu sou uma das estudantes organizadoras daquele evento e estou dormindo no meio dele. É lastimável.

Mas, por outro lado, estou jogada no cansaço da retrospectiva dos últimos dias. A organização do evento, a contabilidade do baile, o ciúme que senti de Cherie por ela ter se aproximado de Georgia, a raiva sobre a ascensão dos Rowan no colégio e na cidade.

Mesmo depois de retirar a gratuidade da Internet de toda Seven Heavens, James Rowan passou a faturar com planos de assinatura particulares. Isso fez o negócio da minha família ruir. E, apesar de ter atendido apenas três clientes naquele tempo – um deles a fiel senhora Dixie que só é fiel porque não precisa de internet para digitar receitas – o papai me obrigou a ficar no comando do cybercafé o tempo todo. 

Porque mamãe não estava nada bem.Acho que ela piorou porque contei a ela sobre Stanford. Não posso evitar de lembrar o que Seth Rowan disse. Era para ser algo grandioso! Uma comemoração!

Não nas regras Wilder, no entanto. Meu pai é claro como a água do lago Speculum sobre nos mantermos por perto. Ele quer continuar o legado da família em Seven Heveans. Sua única filha indo para a Califórnia desonraria tudo o que os nossos antepassados fizeram. O que eles fizeram ainda é um mistério, aliás. Porque, para mim, ninguém fez nada de muito importante por aqui além de se reproduzir e manter o sobrenome vivo por séculos. Mas é assim que a cabeça dele funciona.

E a cabeça da mamãe funciona no modo operante: nunca desobedecer ao marido e viver por ele. 

Às vezes, só às vezes, tenho vontade de expressar o que sinto, jogar na cara dele as minhas verdades, fazê-lo ouvir a minha voz. Eu nunca ousei porque ele nunca deixou. Cherie não entende como posso ser assim, tão submissa. Mas é algo que nem mesmo eu consigo compreender. Parece que é da minha natureza obedecer ao meu pai.

― Quando Hilary Clinton venceu as prévias...

Alguém está tão exaltado na bancada que me faz saltar. Abro os olhos e me endireito, olhando ao redor. Vários alunos já deixaram o auditório após assinar as listas de presença. A única pessoa empolgada sobre as nossas brigas políticas parece ser Cherie. Dou um meio sorriso para ela quando seus olhos rapidamente encontram os meus.

― Você está tão abatida. ― Ela sussurra. ― Se quiser ir pra casa, posso pegar uma carona com Georgia.

Encontro a cabeça brilhante e negra de Georgia do outro lado. Ela está mexendo no celular enquanto masca um chiclete. Mas é surpreendente que ainda esteja ali.

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