Capítulo 45

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Entro no meu carro, seguindo meu caminho com o coração batendo mais forte. O metal gelado está preso em meu dedo pelo anel do chaveiro, deixando a nuvem balançar com o movimento do volante. Molho os lábios com a ponta da língua, imaginando se ela voltou a ser tão vergonhosa como antes ou se apenas estava tentando evitar qualquer tipo de contato direto. Talvez, evitar palavras que deveriam ser ditas.
O portão da garagem está aberto, o que de certa forma é estranho já que ninguém mexe lá desde que o meu BMW foi perdido. Desligo o carro, saindo do mesmo e logo me atentando a enxergar quem está aprontando lá dentro. Anthony está agachado ao lado de sua Harley, as mãos tão sujas quanto seu jeans.
- desde quando você suja as mãos com esse tipo de coisa ? - cruzo os braços, me escorando na parede da garagem.
Os olhos dele desviam do motor para mim, o azul quase tão frio quanto gelo.
- tem muito de mim que você não sabe fratellino (irmãozinho).
- bom, isso é verdade. - suspiro, tomando coragem para fazer uma pergunta na qual eu não sei se a resposta vai ser agradável. - você tem falado com a Mia ?
Anthony larga a ferramenta em sua mão, a deixando sobre o banco da moto antes de se levantar e limpar as mãos nas coxas.
- e eu aqui pensando que você já estava perto de a ter de volta, se bem que com um baita problema como os pais dela nas costas fica meio complicado.
- tem falado com ela ou não ? - aperto o paletó na minha mão direita, já impaciente por ele brincar com essa situação.
- sim, seja por ligação ou pessoalmente.
- e ela está bem ? - olho para o chão por um instante.
- vamos dizer que bem não é a definição correta, Mia está caminhando de acordo com a música Andrew, as vezes ela erra uma nota ou outra mas sempre acaba voltando a seguir o ritmo.
- o que quer dizer ?
- nem sempre nossas atitudes são produto da nossa vontade, não leve tudo o que ela faz em conta ou não vai perceber quando ela precisar de ajuda. - ele parece sério, sério demais para alguém que até pouco tempo atrás vivia com um sorriso idiota nos lábios. - eu sugiro que você pare para pensar um pouco, vai acabar encontrando bastante coisa nas memórias dentro dessa cabeça infantil.
Anthony apaga a luz, fazendo um claro sinal para que eu saia dali e o deixe fechar o portão da garagem antes que nossa mãe venha nos pegar pelas orelhas para podermos jantar. Subir os degraus da escada nunca me foi tão demorado, olhar para o chaveiro de nuvem delicado deve ser o motivo da minha lentidão. Aliso o metal, sentindo minha testa ficar levemente enrugada ao notar uma gravação em um dos lados.

Pois onde estiver o amor, ali também estará o nosso coração.
L 12:34

A forte pontada no lado esquerdo da minha cabeça consegue ser um tipo de alarme, fazendo com que eu tire os olhos do chaveiro e continue subindo a escada. O corredor pouco iluminado está mais sombrio do que deveria, as pinturas parecem notar os meus passos e mais uma vez eu coloco em minha mente que fiquei louco. Entro em meu quarto, largando o celular e a chave do carro em cima da escrivaninha. Olho uma última vez para a gravação na nuvem de metal, a frase de repetindo várias e várias vezes na minha cabeça, antes de deixá-la ali, ao lado da minha.
- sempre me surpreendendo ruiva.
A água vai quente não relaxa meus músculos, a tensão se assemelha a um elefante sentado em minhas costas, o peso abusivo me incomodando. Mordo o lábio inferior, desligando o chuveiro e enrolando uma toalha em minha cintura antes de deixar o banheiro. Enfio as pernas dentro de um moletom escuro e penduro a toalha no gancho da parede. O toque do celular me faz encarar friamente o aparelho, xingo internamente a mim mesmo por não ter desligado essa porcaria assim que entrei em casa, mas duvido muito que pensaria em outra coisa que não fosse aquela chave. Dando passos firmes alcanço o celular antes que atinja o terceiro toque.

- quem é ?
- já percebi que você não está em um dia muito bom, não é ? - relaxo um pouco ao ouvir a voz de Brandon.

Talvez eu tenha exagerado um pouco ao ficar tão irritado, afinal, Brandon pode me ajudar a conseguir um bom jeito de devolver a chave.

- não sei mais o que é ter dias bons Brandon.
- eu sinto muito por isso.
- relaxa cara, eu estou bem.
- ah claro, seu mau humor nos treinos deixa isso evidente.
- ok, por que me ligou ?
- achei que você iria querer saber da festa do McQuade no sábado.
- espera, desde quando aquele nerd da festas ?

Tudo bem, Joseph McQuade sempre foi conhecido por fazer reuniões muito loucas para seus amigos do grupo de xadrez e de teatro. E nessas reuniões tudo é liberado, desde bebidas a qualquer coisa que a sua mente imaginar.

- parece que os pais dele vão estar fora da cidade e ele precisa de assinaturas para das entrada na sua candidatura de presidente do Grêmio Estudantil.
- achei que não teríamos eleição esse ano.
- foi anunciada de última hora. - ele ri baixo, baixo demais para me fazer crer que Sam esteja junto com ele. - McQuade e Tompson vão quase se matar para ganhar a última eleição na nossa turma antes da formatura.
- sinto muito pelo Tompson, mas essa festa é um tiro certeiro para o Joseph, ele não tem chance.
- e aí ? Você vai ?
- acha mesmo que eu iria perder isso ? Parece que não conhece o amigo que tem.
- ah, não sei. Ultimamente você anda meio estranho por conta da situação com a ruiva e ...
- não comece, Mia e eu ainda temos assuntos inacabados mas isso não me prende no quarto. Eu vou, com toda a certeza.
- beleza então, nos falamos amanhã.

Encerro a ligação, largando o celular sobre a cama e me jogando nela. Solto todo o ar que estava preso em meus pulmões, sentindo o tecido liso da coberta esquentar meu peito e abdômen.
Tensão ...
Fecho os olhos, lembrando de como ela estava linda. Os olhos claros brilhando por detrás dos óculos, a pele visivelmente tão macia quanto antes, os cabelos em sua típico jeito simples. A melhor parte sempre são as sardas, os pequenos pontinhos espalhados por seu corpo que me deixam tão impressionado. Ela é tão única, tão ela.
Um sorriso triste toma conta de meus lábios, triste por não ter tocado nela mas um pouco mais animado por aquela ruiva ser tão desastrada. Eu vou conseguir lhe entregar a chave Mia, mesmo sabendo que você já tenha milhares de cópias.
- Andy ? Não vai vir jantar ? - os dedos da minha mãe tocam de leve a sola de um dos meus pés.
Quando ela entrou ?
- por mim eu não levantava da cama pelos próximos dias. - resmungo.
- a escola e o trabalho estão te sobrecarregando ? Eu posso conversar com seu pai para te liberar.
- não, não é nada disso. - abro os olhos, usando os braços para me erguer e me sentar.
Mexer nos meus pés é irritante e ela sabe disso, tanto que a usou para me fazer levantar.
- eu só, não estou muito bem.
Os olhos pouco maquiados dela parecem saber do que se trata, mas nem é tão difícil. Pela primeira vez minha mãe está vendo o filho caçula perder a fome por uma garota, talvez ela saiba agora que não era só um namoro qualquer.
- ainda não se resolveu com a Mia ?
- ultimamente essa palavra anda por fora do meu palavreado, acho que do dela também.
- vocês chegaram a sentar e conversar ? Conversar de verdade Andy ?
- não sei se o que tivemos foi uma conversa, nao sei se ao menos ainda vamos ter uma conversa daqui a algum tempo. Eu sinto falta dela mãe, mas não gosto de pensar se ela sente a minha.
- é claro que ela sente a sua falta filho, Mia demostra isso por mais vezes do que você perceber.
- como assim ? Eu notaria se ela sentisse, notaria se ela me olhasse como antes.
- acorde quinze minutos mais cedo e olhe pela janela, sua certeza estará lá te esperando. Agora vamos jantar, estou faminta e querendo me juntar ao resto da família.
- vai na frente, eu já vou.
Ela acena positivamente com a cabeça, se levantando e ajeitando a saia escura.
- vocês vão ficar bem Andy, bem e juntos. Só mantenha a cabeça no lugar caso isso não aconteça, o mundo é muito maior do que Jacksonville e muita coisa te espera por fora dessas fronteiras.
O barulho dos seus sapatos tocando o chão se assemelham ao tic tac de um relógio, como se o tempo estivesse congelado e agora voltasse a funcionar. Mamãe tem jeitos estranhos de me aconselhar, jeitos estranhos de entender melhor do que eu mesmo o que se passa na minha mente e eu agradeço por isso.

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