Especial II

1.2K 102 15
                                    

- Você está louca, Bia?

- Louca eu estaria se eu continuasse agindo como vocês. – ela encosta na beirada da pia onde eu estava lavando os pratos. – Isso não é vida, não. Suas mãos... Olha suas mãos! – grita.

- Fala baixo, Beatriz! Por favor! Ele vai ouvir e vai... – bufo. – Se você quiser ir, você vai. Mas não me mete nessa, por favor.

Eu tinha medo e ninguém entendia meu medo. Estávamos todas no mesmo barco, mas a menos corajosa da casa era eu. Eu fazia de tudo para não dar motivo de falatório e principalmente nada que me fizesse ser o centro das atenções. Mas tanto quanto elas eu queria fugir pra bem longe, e nunca ser encontrada. Eu queria me esconder e viver minha liberdade.

Era o vigésimo prato que eu lavava, e eu estava cansada. Teria mais uma remessa daqui duas horas e para não juntar eu queria deixar tudo limpo. Bia segurava a vassoura com ódio nos olhos.

Ela era a mais velha das meninas, e a mais revoltada. Era pra tanto. Por ser a mais velha, ela tinha que fazer de tudo, e já viu de tudo no segundo andar daquela casa velha.

Escutamos um barulho vindo do primeiro andar e eu me arrepio. Parecia que alguma coisa de vidro tinha se quebrado, e Bia suspira:

- Eu tenho que ir limpar a sujeira daquele imundo, mas olha... Pensa no que eu te falei. A gente junta uma grana, sai daqui e vamos ser ricas, famosas e fazer o que a gente quiser das nossas vidas.

- Bia, eu já disse...

- Eu tô indo! – grita após escutar alguém gritar seu nome. – Só não seja mais a menininha com medo da vida. Você vai ser a próxima.

Arrumo a pia, e me sento no banco de madeira e fico olhando para aquele lugar que me dava arrepios. Minha mãe estava na parte de cima servindo os nojentos, e as meninas... Bem, estava fazendo o que sempre fazem. Meu corpo treme ao saber que um dia irei ter que me juntar a elas.

Eu não queria!

- Melzinha...

Aquele apelido que ele tinha me dado, me dá vontade de vomitar tudo o que eu já comi na vida, mas eu apenas o observo com meu olhar de desprezo, pois era assim que eu o olhava sempre.

Paulo estava parado na escada de madeira que dava acesso ao seu bar, que estava provavelmente cheio.

- Boa garota! Já lavou toda a louça e agora pode ajudar a sua mãe a servir o pessoal. Temos muita gente na casa hoje.

Ele era sujo.

Sua aparência e sua alma eram sujas!

- Eu já tô indo.

- Agora, Melzinha. Estamos precisando dos seus serviços.

Ele desce as escadas e estende o braço para que eu passe em um gesto de cavalheirismo. Nojo!

Enquanto eu subo ajeitando o meu vestido ele me dá um tapa na minha bunda me impulsionando a ir para frente.

Vejo minha mãe que tinha cortado os cabelos grandes ontem, deixando-os totalmente ondulados e pequenos, acima dos ombros. Estava com um lenço vermelho e seu velho avental branco.

- O que essa menina tá fazendo aqui? – diz ela me olhando assustada com uma bandeja de copos nas mãos.

- Você precisa de ajuda e as outras meninas estão ocupadas. – diz pegando seu copo de cerveja.

- Não! Alguém pode vê-la, ela é menor de idade, Paulo.

- E daí? – diz dando de ombro. – Ela só vai ajudar a servir meus amigos.

PURO DESEJO - LIVRO 1Onde histórias criam vida. Descubra agora