PRÓLOGO

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BELLA

Meu relógio toca anunciando que são quatro e vinte da manhã e mesmo desejando passar o dia todo na cama, sei que não tenho esse privilégio, principalmente quando preciso trabalhar para pagar os remédios da mamãe. Suspiro exausta, sabendo que dormi apenas três horas, ontem a noite consegui um bico no bar do Zé como garçonete e saí direto da padaria para lá, nem consegui passar pra ver minha mãezinha e quando cheguei finalmente aqui em casa, ela dormia tranquilamente, como agora em que eu a vejo em sua cama com seu ronco de porquinho que tanto gosto de tirar sarro. 

Levanto sem fazer barulho e vou direto para o chuveiro, minha barriga ronca e mesmo sabendo que tem algumas bolachas em casa, ignoro porque são pra minha mãe, eu consigo esperar até o meu intervalo, às 10 horas, para comer um dos dois pães que eles dão diariamente para os funcionários, meu turno vai até as 19 horas, então sei que o dia é longo antes mesmo de começar.

Mal entro no chuveiro e já quero sair quando sinto a água gelada cair sob meu corpo, toda minha pele se arrepia de frio, mas nossa energia já foi cortada há quase um ano e não temos dinheiro para pagar esse luxo. Tivemos que escolher entre água e energia, e a água foi a escolha. Na verdade, o que ganho na padaria e os trocados dos bico que consigo no mês, mal pagam os remédios da mamãe, ou melhor, não pagam mesmo, são caríssimos e apenas priorizamos em comprar os três mais importantes deles. Já nosso aluguel está atrasado há dois meses e o proprietário disse que senão pagarmos as dívidas ainda neste mês, vai entrar com pedido de despejo e eu nem sei o que faremos. A situação é preocupante e eu preciso urgentemente encontrar uma saída para nossos problemas, mas não sei mais o que fazer, eu vergonhosamente sei que sozinha não estou dando conta e como todos os dias, eu desligo o chuveiro e passo a sentir minhas lágrimas caírem pelo meu rosto.

Eu nunca vou conseguir entender como tem tanta gente que tem tanta grana e outras pessoas não tem nada... Tem gente em pior situação que a gente, mas o que me mata todo dia é saber que minha mãe está vivendo uma situação precária por conta da nossa condição financeira, que paga menos do que o necessário. Pagamos seus remédios essenciais e compramos de comida sempre polenta ou arroz, dependendo do preço, e aquelas bolachas de água e sal, e sei que sem uma boa alimentação ninguém consegue melhorar nessas condições, principalmente mamãe que tem pouco tempo de vida. O médico não disse ao certo quanto tempo lhe resta, mas pediu para eu estar preparada para o pior a qualquer momento e eu nem consigo imaginar o que será da minha vida sem ela... Enxugo rudemente meu rosto e coloco meu jeans velho de todo dia junto com a camiseta da padaria, prendo meu cabelo num rabo de cavalo e calço meu tênis surrado.

Sinto o choro querer voltar, mas me controlo tentando mentalizar que as coisas vão melhorar pra nós... Quando estou pronta, volto a dar uma última olhadinha na mamãe e saio na ponta do pé pra mais um dia de trabalho.



**



Chego na padaria em cima da hora como todos os dias, o dia nem começou e o cansaço já quer me vencer, mas por minha mãe não permito que isso aconteça, eu preciso trabalhar para que ela tenha o melhor que puder, mesmo não sendo suficiente, mas na hora do meu almoço, mesmo sendo curta, só uma hora literalmente, eu vou correr para entregar alguns currículos em bares noturnos, se eu tiver outro emprego com salário fixo, pelo menos eu consigo garantir o aluguel e o restante vai para tentar comprar outros remédios e a alimentação. Seria ainda difícil, mas já aliviaria um pouco as minhas costas de tão pesadas que andam.

Suspiro profundamente ao escutar novamente o sininho irritante da padaria, antes que eu comece a escutar os gritos do gerente, já caminho em direção aos clientes, tratam-se de dois homens muito bem vestidos, o que é raro num bairro pobre como o nosso, mas coloco o meu melhor sorriso para atendê-los como fui instruída.

- Sejam bem-vindos. Gostariam de ver nosso cardápio? - estendo o cardápio na direção dos homens que finalmente me encaram.

Um deles me encara boquiaberto, como se estivesse vendo um fantasma e franzo o cenho sem entender porque seu olhar varre meu corpo sem disfarçar e parecendo não acreditar no que vê. O homem usa um terno que parece perfeito no seu corpo, num tom marinho mais lindo que já vi em toda minha vida, ele é lindo, com a pele clara e olhos verdes.

- Algum problema, senhor? - cruzo os braços na defensiva, odiando-me por não entender o que eu tenho de tão estranho assim para ele estar com essa cara.

- Co-como você se chama? - sua voz trêmula e ao mesmo tempo confusa, faz com que eu fique ainda mais sem entender o que diabos está acontecendo.

Olho de relance para o homem que o acompanha e ele parece entender tanto quanto eu o que se passa, ou seja, nada.

- Sou Bella. Isabella. - respondo meio mau-humorada. - Já sabem o que vão querer? - encaro o outro homem, sentindo-me desconfortável com a varredura que esse homem fez em mim.

Odeio pensar que me julgam pela minha aparência, sei que estou mais magra do que deveria e minhas roupas não são das melhores, mas ninguém merece ser julgado por ninguém, oras bolas! Quem ele pensa que é?

- Vou querer um capuccino, por favor. O mesmo para ele também. - o homem mais sensato diz para meu alívio que apenas assinto e rapidamente saio de perto, indo para trás do balcão preparar o seu pedido.

Rapidamente faço o que preciso e coloco as xícaras sob a bandeja prateada, sem encarar aquele homem, sirvo o café e sinto minha face ficar vermelha quando meu estômago ruge como um leão, cheio de fome bem naquele minuto, fico mortificada de vergonha.

- Por que não se senta conosco e toma café conosco, senhorita... 

- Santos! - respondo o que deseja a contragosto e fecho minha cara. - O horário do meu café já será daqui a pouco, mas agradeço. - dispenso secamente e saio de perto, sem sequer perguntar se desejam algo mais, eu que não darei brechas pra um homem assim, eu hein.

Volto para trás do balcão e noto que realmente falta pouco para meu café finalmente, só mais uns minutos e poderei ter um descanso, mesmo que rápido. A padaria esvaziou como todos os dias naquele horário, mas odiei mais um pouco meu chefe ao pedir que eu limpasse as vitrines dos doces que ocupam toda a parede lateral da padaria bem naquela hora, eu não diria não e ele sabe bem disso, o gerente sabe que temo perder meu emprego e sempre que pode abusa de mim quanto ao trabalho, pouco se importando com meus horários. Somente daqui um bom tempo que poderei comer meu pãozinho a seco mesmo, mas minha boca saliva só de pensar nele, nem lembro ao certo quando foi a última vez que comi, mas hoje com certeza não foi.

Passo envergonhada pela mesa daqueles homens, sem encarar nenhum deles, mas noto quando aquele que me encarou de cima a baixo, sai da padaria e fica de pé na calçada ao falar com alguém pelo celular, mas nada disso me importa, preciso fazer meu trabalho isso sim.

E é exatamente o que faço, mas quando estou prestes a terminar preciso me apoiar sobre o balcão ao sentir minhas pernas amolecerem e fico surpresa ao sentir mãos quentes me segurarem pela cintura, dando o apoio que preciso para ficar de pé.

Encaro o rosto daquele homem e sinto como se nossos olhos se conectassem profundamente, mesmo com a situação embaraçosa. Sou eu quem desvia o olhar, sentindo-me envergonhada pelo que quase aconteceu, talvez poderia ser até demitida por isso e não posso ser boba em não ter gratidão por ele ter me salvado disso mesmo sem saber.

- Obrigada, estou bem. - falo tímida, dando um passo para trás quando sinto meus pés mais firmes.

- Qual foi a última vez que se alimentou? - questiona preocupado e até mesmo irritado.

Franzo o cenho sem entender porque a mudança de humor.

- Acho que isso não é da sua conta. - retruco nervosa.

O que faço da minha vida não diz respeito a ninguém, absolutamente ninguém, é o que sempre diz minha mãezinha para mim e muito menos ele.

- Eu só...

Escuto sua voz ao longe, minhas vistas escurecem e antes que eu atinja o chão, sinto mãos quentes me envolverem novamente, o que eu não sabia ainda, era que esse encontro, nada comum, mudaria minha vida para sempre.

Bella: em outra vida - Série GêmeasOnde histórias criam vida. Descubra agora