CAPÍTULO SETENTA E OITO

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DULCE MARIA

Sentei-me na maca enquanto observava o policial sair porta a fora. Depois de muito tentarem eu finalmente cedi e dei meu depoimento. Não porque eu não quisesse Fernando e NÍcolas apodrecendo na cadeia, mas porque por muitas horas eu estava num estado onde eu só conseguia me comunicar com Christopher. Foram preciso algumas boas horas conversando com um psicólogo e depois de uma crise de choro enorme, de me doparem, eu dormir por mais algumas horas, eu finalmente acordei me sentindo melhor e disposta a dizer o que aconteceu à polícia.

Christopher estava ao meu lado, um tanto calado. Ele me olhou e me ofereceu um sorriso. — Vai ficar tudo bem agora, não vai?

— Sim, amor. — Fechei meus olhos quando ele deu um beijo na minha testa. — Ninguém vai machucar você, tá bom?

— Eu quero ir embora daqui.

— Dulce?

— Pelo menos por um tempo, Christopher.

— Mas... eu acabei de me mudar pra cá praticamente, e recomeçar minha vida. Eu tenho um emprego e...

— Chris, eu sei que estou grávida, mas não estou pedindo que venha comigo.

— O que quer dizer com isso?

— Eu passei os últimos anos presa em cativeiro. Não é apenas pelos últimos dias, eu estou um trapo por dentro Christopher.

— Mas e o bebê? Eu quero estar perto de você, ver sua barriga crescer, estar ao seu lado quando souber o sexo. E quando nascer também! É... é meu filho.

— Eu sei, e tem todo direito disso, mas eu preciso! Eu amo você, amo muito, mas eu preciso me encontrar porque eu sinto que não resta nada de mim e aqui nessa cidade não é o lugar correto pra isso.

Ele se afastou um instante, sem me olhar. Era óbvio que ele jamais iria compactuar com isso e eu entendia o lado dele, mas o meu lado nesse momento era o mais afetado.

— E se você encontrar alguém?

— Christopher? — Dei uma risada fraca. — Eu passei os últimos seis dez anos presa nesse casamento. Eu já vou fazer trinta anos e eu não sei quem eu sou.

— Dez anos?

— Sim. E não me olhe com essa cara, eu sempre disse que eu era velha.

— Nossa! Você não é velha, só que não parece ter trinta anos.

— Se isso é um problema, sinto lhe dizer que é tarde demais, já plantou a sementinha na minha barriga.

— Uma sementinha cheia de amor. — Ele se aproximou de verdade. — Você deveria ir pra casa do lago.

— Não. Eu estou pensando em ir pra Carolina do Sul. Algumas semanas é o que eu preciso.

— Eu vou poder ir te visitar?

— Quando quiser. E levar meus pirralhos junto com você.

— Seus pirralhos?

— Desculpe, mas sabe que eu os amo como se fossem meus.

— Acho que eles também pensam assim. Ontem quando fui deixar a Maya na escola ela estava bem triste, não queria ficar lá e quando eu a deixei ela chorou muito, e começou a chamar pela mãe dela.

— Pela mãe? Pensei que eles ainda não questionassem isso, eles são tão novinhos e... a não, espera, está falando de mim?

— Sim. Acho que ela pensa que você é a mãe dela e ela sente muito a sua falta.

— Nossa! Eu... eu não sei o que te dizer, Christopher.

— Mas eu sei. Você pode ser uma segunda mãe pra eles, se quiser, é claro. Querendo ou não, é você quem eles vão crescer tendo uma imagem materna um dia.

E eu realmente fiquei sem palavras. Christopher ficou esperando eu dizer algo, mas tudo que fiz foi começar a chorar. Malditos hormônios, maldita sensibilidade.

— Estou doida para dar um abraço apertado naqueles dois catarrentinhos.

— Quando tudo se acertar, a gente vai morar todos juntos, e finalmente vamos dar risada de tudo isso.

— Espero que esse dia chegue logo.

Eu fiquei mais uns três dias no hospital, antes de finalmente receber alta. Christopher ia me visitar todo dia depois do trabalho, mas durante o resto do dia meus amigos revezavam para me fazer companhia e me manter ocupada.

Foi Christopher quem me acompanhou até em casa para me ajudar a fazer a mala. Eu ficaria numa casa alugada nas próximas semanas. Eu realmente precisava sair dali, porque só o fato de entrarmos no nosso bairro eu já senti uma energia ruim.

— Tudo bem, eu estou bem aqui.

Entrar naquela casa me deixou um tanto atordoada. De qualquer maneira eu fui direto para o meu quarto, sem querer perder tempo para sair dali e então ele me ajudou a fazer minhas malas. Eu deixaria algumas coisas na casa dele, porque não era minha intenção morar naquele lugar nunca mais, e eu levaria comigo apenas o básico.

Depois de levarmos tudo pra casa dele, Christopher e eu fomos buscar Maya e Kevin na escolinha. Ainda que não estivesse no horário de saída deles, eu queria aproveitar as próximas horas com eles antes de finalmente partir.

Quando chegamos na sala deles, eles estavam sentados no chão, numa roda com os amigos enquanto a professora lia uma história. Maya fora a primeira que nos viu, e ela pousou suas mãos minúsculas na frente de sua boca como se estivesse surpresa.

— Oi meu amor, vem aqui.

Então ela se levantou e veio correndo desengonçada na minha direção com seus bracinhos abertos. — Mamã, mamã!

Se eu chorei novamente? Feito uma manteiga derretida enquanto a enchia de beijos. Como era possível amar um ser que nem pertencia a mim daquela forma? E como era possível uma criança que não tinha nem dois anos literalmente de emoção por ver alguém que sentia falta? Porque foi o que aconteceu. Quando dei por mim, seu rostinho estava molhado.

— Oh minha princesa, me perdoa! Eu não tive a intenção de ter ido embora sem me despedir.

— Tia Dul!

Kevin estava perto, um sorrisinho tímido no rosto. — Vem aqui você também, príncipe. Eu amo tanto vocês dois!

Envolvi os dois em meus braços e os apertei ali. Estava feliz que não tinham feito nada com os dois e com Christopher, porque nos dias que estive em cárcere, eu pensei muito se tinham feito algo a eles.

Saímos da escolinha, Maya segurando minha mão e Kevin no colo de Christopher. Maya falava pelos cotovelos, entretanto eu não entendia uma palavra sequer.

— Vamos tomar um sorvete no parque?

— Acho uma boa ideia. 

Vizinhos | VONDY (EM REVISÃO)Where stories live. Discover now