15. Aconchego

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    Vovô Carlisle entrou no recinto e, mesmo não sendo oncologista, passou por todos os pacientes perguntando como estavam e se precisavam de algo. Ele caminhou até nós depois de ter checado todos os demais presentes em tratamento, anotando mentalmente o que precisavam. Sue entrou pouco tempo depois, com um carrinho apinhado de bandejas de comida, medicamentos e seringas.

– Como está, Renée? – perguntou vovô Carlisle com sua voz suave
– Estou bem. – vó Renée sorriu fracamente para ele – Um pouco enjoada, mas bem
– Quer um pouco de plasil? - vovô pegou sua lanterna, e iluminou os olhos azuis de minha avó. Depois pegou o estetoscópio e checou os batimentos cardíacos dela. Por fim, aferiu a pressão – Você está ótima! – vovô sorriu calorosamente – O doutor Jenckings precisou ir dar assistência no hospital de Seattle, mas pediu que eu lhe dissesse que semana que vem, como é sua vigésima seção de radioterapia, ele irá programar com você a bateria de exames para examinar como está o tumor. Mas ele retornará antes que vá embora, então, qualquer dúvida, poderá sanar com ele mais tarde.
– Tudo bem! – o sorriso de vó Renée foi amarelo, pois ela, certamente, estava ciente do tempo que ficaria no hospital para a realização desses exames
– Anime-se, – vovô Carlisle continuou sorrindo enquanto tocava-lhe o ombro com uma das mãos e com a outra segurou a mão a livre de minha avó– estamos otimistas com sua resposta ao tratamento
– Estou animada. – retratou-se vó Renée – Apenas cansada
– E preocupada – completei por ela
– Enxerida – minha avó me deu um olhar engraçado
– Está estampado na sua cara. – ergui as mãos em sinal de rendição, pois não havia escutado os pensamentos dela – Apenas explicitei um fato que, tenho certeza, vovô já notou
– Notei mesmo. – vovô expandiu o sorriso suave– Não se preocupe, acho que terá uma boa notícia
– Assim espero – vó Renée ofereceu-lhe um sorriso apreensivo
– Esperamos – me senti na obrigação de completar
– Trarei o plasil – vovô me deu um beijo no topo da cabeça, apertou de leve o ombro ossudo de minha avó e se afastou
– Obrigada, doutor! – vó Renée agradeceu e fechou os olhos com um suspiro

Minha avó cochilou em poucos instantes e um olhar de relance me indicou que vô Charlie também dormira. Se bem que eu não precisaria sequer olhar. O ronco estrondoso de meu avô retumbava por toda a sala. Vovô retornou com o remédio e o colocou na entrada do tubo do soro própria para acomodar a agulha. Ele me deu um sorriso de adeus e retornou para os seus afazeres. Sue entrou novamente, com outra bolsa em mãos e eu perguntei baixinho, para não acordar minha avó ou quaisquer outros pacientes que estivessem dormindo, que eram, pelo menos, cinco contando com a minha avó. Seriam mais, mas o ronco de vô Charlie tornava a tarefa um tanto quanto complicada.

– Não era só uma bolsa?
– De medicação do tratamento, sim. – Sue interrompeu a descida do líquido e trocou a bolsa– Esta aqui é de profenid. – ela colocou a nova e menor bolsa com um líquido transparente – Renée sente muita dor de cabeça e de estômago após as seções de quimioterapia, isso evita essas dores. – ela esguichou um pouco do conteúdo na área onde o líquido se acumulava e escorria pelo tubo. – Como ela tomou o plasil, provavelmente não irá vomitar, mas o Charlie sabe que deve ficar atento e me ligar caso tenha alguma alteração no vômito ou nos sintomas dela
– Entendi. – cruzei os braços e respirei fundo – Nunca fiquei com ela após as seções, vó Renée passa tão mal assim?
– Às vezes sim, às vezes não. – Sue conferiu a velocidade com a qual as gotas pingavam e diminuiu a um gotejar suave – Em geral, ela tem enxaquecas. Mas com uma certa frequência, se comer algo que exija mais de seu estômago, acaba tendo um quadro de vômito. Charlie está garantindo que a noite ela tome mingau, sopa ou coma saladas mais leves
– Isso é bom. – observei minha avó adormecida
– É sim. Principalmente porque ela voltou a ganhar peso. – Sue checou minha avó uma segunda vez, então se virou para mim – Irei ver outros pacientes e terminar alguns relatórios que preciso entregar até o final da semana, mas voltarei para trocar o remédio pelo soro com vitaminas que Renée precisa tomar
– Está bem. – observei as feições adormecidas de minha avó novamente – Sue! – chamei depois de ela dar apenas três passos em direção à porta
– Sim? – os cabelos seguiram o movimento de seu corpo, como se fossem uma cortina de seda negra presa por um rabo de cavalo
– Quanto tempo, mais ou menos, ainda leva?
– Pelo menos, uma hora. – ela sorriu antes de completar – Vai ligar para Seth?
– Vou. – senti meu rosto pegar fogo – Mas não se preocupe, ficarei da varanda observando a bolsa esvaziar e interrompo o fluxo quando terminar
– Relaxe, Ness, – o sorriso de Sue foi estranho e a resposta seguinte mais estranha ainda – Pode ficar o tempo que precisar ao telefone
– Está bem... – franzi as sobrancelhas e tive a impressão que minha afirmação saiu mais como uma reticência
– Voltarei em meia hora para ver se a medicação de sua avó já terminou

Noite branca Where stories live. Discover now