Cap. 01 - A volta

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Lin

Quando sua secretária entrou e lhe deixou os recados da tarde ela não se importou, assim como também não se importou em responder quando a mesma se despediu. Lin estava ocupada demais, como sempre, repassando todos os relatórios do dia, ainda havia uma pilha de coisas que aguardavam sua avaliação e assinatura. E assim permaneceu por horas. Trabalhar era o que fazia de melhor em sua vida, embora tenha conseguido nos últimos anos acertar alguns ponteiros com sua irmã e sua mãe. Às vezes se permitia visitar a sobrinha no Templo do Ar, os filhos de Tenzin também lhe aqueciam o coração, mas não diria isso jamais em voz alta. Ainda assim suas visitas à ilha sempre tinham uma ponta de esperança de conseguir notícias do Polo Sul.

Já havia vencido a primeira de três pilhas de papel quando percebeu o apagar da última luz daquele andar através vidro embaçado e se viu finalmente sozinha, resolveu que se permitiria relaxar um pouco, já passava das dez da noite e agora as únicas pessoas no prédio da delegacia eram ela e alguns plantonistas no andar térreo. Andou até o outro canto de sua sala e abriu o armário que mantinha trancado, pegou ali um copo e o encheu com uma dose generosa de whisky, fechando o compartimento e trazendo consigo a garrafa, não pretendia sequer voltar para seu apartamento aquela noite, dormiria na delegacia como já fizera tantas vezes.

Largou-se em sua cadeira que cedeu uns centímetros em seu sistema de amortecimento, então pegou o bloco amarelo do tamanho de um quarto de folha, deixado pela secretária horas antes, e se colocou a ler os recados enquanto sorvia da bebida costumeira que lhe descia quente pela garganta, não se permitiu atender nenhuma ligação aquela tarde, já que estava focada em um caso de homicídio bem feio e na segurança de um evento político vindouro que tinha de planejar. Os olhos ágeis da Chefe passaram pelas linhas sem se deter até que chegaram quase no final das anotações. Instintivamente leu três vezes a mesma anotação se colocando de pé. Bebeu de um gole só o que faltava para esvaziar o copo e o largou na mesa, seus planos foram todos imediatamente alterados. Pegou seu casaco e vestiu por cima de seu uniforme de trabalho, que apesar de ser uma armadura já lhe servia quase como uma segunda pele. Saiu sem se importar com a pilha de papeis, todo o resto poderia esperar, afinal Kya estava de volta.

Se repreendeu mentalmente por fazer novamente o que sempre fazia, mas isso não a impediu de seguir entrando em seu carro e dando partida no mesmo. Era assim, a muito tempo já... tanto que já não contava mais o passar dos anos. Mas quando se permitia pensar de verdade sobre isso buscava pelo momento definidor, o ponto em que as coisas ficaram complicadas, e só conseguia pensar que esse momento fora o quando tudo começou a mudar entre ela e Tenzin. Aaahhh como desejava que tivesse naquele tempo o conhecimento que tinha agora, muito provavelmente sua vida seria muito diferente, sabia da inutilidade desse pensamento, mas não podia deixar de se torturar um pouco com ele mesmo assim.

O suor escorria por todo o corpo da jovem, embora o sol estivesse a pino e fosse seu dia de folga isso não a impedia de estar de pé desde as quatro da manhã, apenas para se afundar em um puxado treinamento autoimposto. Ela sentia a musculatura de sua perna queimar, mas permanecia rígida em um perfeito "mabu", a posição do cavalo, ambos os braços retos esticados na altura do peito rígidos como rocha enquanto ela lutava para manter no ar com sua dominação um bloco pesado de pedra com mais de um metro de altura. Tudo nela doía, tudo nela tremia, e Lin mordia o lábio na tentativa de manter-se firme, seus olhos verdes cerrados, seus cabelos muito negros grudados pelo suor em sua testa e nuca, naquele momento ela era a imagem da determinação, pois lutava contra seus limites já não sabia mais a quantas horas. Sentiu a brisa da manhã ser substituída pelo calor do sol cada vez mais pungente.

- Você precisa parar para comer! – a voz dela seria suficiente para lhe quebrar a concentração, bem como o cheiro de brisa do mar que sempre a acompanhava, mas o toque delicado em seu ombro que se seguiu a fala lhe fez perder completamente o foco de tudo, e o bloco de pedra caiu pesadamente no chão juntamente com o corpo de Lin que já não sentia as pernas.

Implacável como o tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora