A indústria do sexo

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A indústria do sexo
Livro: Do mundo feminino
Ana Claudia Hinckel

Quando estive em Amsterdã, eu já sabia das mulheres expostas em vitrines, imaginar é completamente diferente do que ver ao vivo e a cores. Eu saí sem rumo, como costumo fazer, sempre que viajo, pelo menos um ou dois dias, fugindo do roteiro e acabei exatamente no Red Light District, (Bairro da Luz Vermelha), local cheio de vitrines com grandes janelas. Eu iria lá de qualquer forma, movida pela curiosidade que eu não devia ter, mas tive.  Cheguei bem na hora em que algumas cortinas estavam começando abrir, talvez meu choque maior tenha sido o susto, em plena luz do dia, com presença de adolescentes e até crianças, caminhando despreocupadamente pelas ruas, algumas fazendo cara de espanto, homens ansiosos para ter sexo, negociando de porta em porta, outros movidos pela mesma curiosidade que eu, outros querendo tirar fotos, o que não é permitido.  As vitrines parecem mais um lamentável zoológico humano, apesar de toda beleza do lugar. É inevitável não olhar, não refletir, não sentir tristeza diante de tanta exploração.

Não é o único lugar do mundo, a exploração do corpo da mulher acontece de muitas formas, em todas as classes sociais e independe do nível intelectual, de diplomas ou de cultura.  Não esperava ficar tão chocada, não sou moralista, nem
preconceituosa, mas tive repulsa pelos turistas que olhavam as mulheres como mercadorias sem valor.  Minha primeira sensação foi um choque, mas pelas pessoas que estavam do lado de fora, olhares de desejo, de curiosidade, de lascívia, de deboche e até desprezo pelas mulheres expostas. Uma das cenas mais deprimentes que presenciei foi observar essas mulheres com roupas minúsculas, em pequenas vitrines, representando papéis como se fosse um teatro, donas de casa, professoras, enfermeiras, intelectuais, secretárias, etc., eram algumas das vestimentas que lembro, tinham outras, muito mais ousadas e provocantes para o fetiche e satisfação dos desejos masculinos.

Nem a maconha liberada em todos os cantos, as inúmeras lojinhas vendendo preservativos engraçados e inusitados, além de lindas vitrines que mais pareciam uma relojoaria, com vibradores de todos os tipos, me causou espanto. Não gostei de ver jovens “chapados”, nem quis experimentar o tradicional bolinho de maconha, servido nas padarias e confeitarias, não deu vontade de ficar “doidona” tive medo de experimentar, gostar e sair de mim e não ter ninguém para me socorrer.   Achei as vitrines das lojas com artigos de sex shop bonitas. Quando olhei rápido a primeira vez, pensei que eram relojoarias, de tanto brilho em volta, algumas até misturam joias para chamar atenção. Lá ninguém julga ninguém, as pessoas se sentem livres para andar do jeito que quiserem, a diversidade cultural e a pluralidade de etnias faz com que você não se preocupe com a opinião alheia, tem gente muito exótica e, enquanto você estiver lá, vendo tanta coisa inusitada, não tem como não se libertar um pouco daquele conjunto de normas que você foi forçado a seguir, sem nem refletir.

A sociedade passou por muitas mudanças  e quebra de paradigmas, modificando o modo de pensar e agir de muitas pessoas, até certos valores perderam sentido de existir, porém o quadradinho aonde todos precisam ser mais ou menos iguais, não teve grandes alterações. Se fugir muito do quadrado imposto, vai ser alvo de crítica, há uma possibilidade bem remota, de receber aplausos de algumas cabeças pensantes e mentes abertas que terão admiração pelo seu agir diferente. Não sei o que é certo ou errado, sei que regras para um bom convívio são importantes e necessárias, mas deixem quem é diferente, viver do jeito que é, cada um escolhe o seu para ser feliz, ser diferente é normal, pensar diferente também, só não pode ser “maria vai com as outras” e agir sem pensar se aquilo é o melhor para você.

Segui andando pelas ruas, observando as vitrines, minha repulsa aumentava cada vez que via uma delas abrir a porta e negociar o valor, não era repulsa por elas, pois delas eu tive pena. Lamentei por precisarem se sujeitar a qualquer um.  Negócio fechado, o cliente entrava, cortinas cerradas, não durava mais do que vinte minutos. O preço fica entre 50 a 150 euros por hora, 50 euros é o valor do sexo rápido, vinte minutos, o valor aumenta conforme os pedidos do cliente. As vitrines ou janelas são alugadas por turnos de no máximo 11 horas, com valor aproximado de 80 euros, chegando ao dobro, dependendo da localização.  Elas pagam um preço alto pela vida que escolheram ou não tiveram outra opção, a maioria esconde da família, levam anos até conseguir guardar uma boa quantia e poder ter uma vida mais digna. O que senti por elas doeu fundo no meu peito, tentei me colocar no lugar delas e imaginar como me sentiria.  Mas nem todas estão lá por falta de opção, algumas gostam do que fazem, sentem-se excitadas em vender o corpo e acham que é um trabalho como qualquer outro. A maioria delas não gosta do que faz, caem em uma armadilha, chegam lá com a ilusão de fazer um “pé de meia” em pouco tempo e voltar para seu país em breve. Elas passam a serem escravas do sistema. Atendem muitos clientes, o que pagar, entra. Não podem exigir muito, a concorrência é grande, embora o número de turistas em busca de prazer seja maior, e, muitos rondam as vitrines só por curiosidade. Elas podem recusar clientes, porém, dificilmente o fazem. Tentei imaginar como seria para cada mulher atender tantos homens por dia, como seria o sexo, e que sentimentos brotavam após cada ato sexual. Meu olhar era discreto, contudo, pude perceber que muitas delas não eram bonitas, eram mulheres com um sorriso amarelo no rosto, pareciam tristes, machucadas fisicamente e emocionalmente, era isso que fazia com que não aparentassem muita beleza aos meus olhos. Há mulheres casadas, exploradas pelos parceiros, têm filhos e mantêm a casa, tentam esconder o que fazem, não há orgulho em dizer eu trabalho no “Red Light District.” A prostituição está ligada também ao tráfico de pessoas.

Descobri que a luz vermelha, presente nos cabarés e casas de prostituições, servem para disfarçar as imperfeições do corpo ou rosto da mulher, começou na época em que havia muitas doenças venéreas e o uso do preservativo não era uma exigência, as mulheres continuavam trabalhando mesmo doentes, há outras histórias sobre as luzes vermelhas, mas essa me pareceu a mais justificável, de acordo com as informações do Museu do Sexo. Hoje elas têm assistência física e emocional, a prostituição foi legalizada em 2000 e desde 2011, como autônomas, devem fazer um registro na Câmara de Comércio e pagar Imposto de Renda. Pagar esse tributo até parece piada, não sei como conseguem fazer o controle do dinheiro que elas recebem, como declarar tal serviço, nenhum cliente vai pedir recibo dos serviços prestados e muito menos especificar seu pedido. Em relação aos homens, turistas na maioria, tive um sentimento estranho que não sei definir, mas está bem próximo à repulsão. Nojo talvez seja pouco para definir o que senti por eles. Sexo por dinheiro, puramente mecânico, sem sentimento algum. Acredito que minha sensação foi maior pelo fato de estarem expostas, eu sei que sexo por dinheiro existe no mundo todo, e nem com liberação sexual total, acabaria. No museu do sexo, há muitos depoimentos escritos, deixados pelas mulheres das janelas.  A angústia do que tiveram de suportar está ali, registrada em muitas paredes, bilhetes, cartas ou computadores. Há exceções, relatos de mulheres que gostavam de se sentirem desejadas, que sentiam prazer em receber dinheiro de um homem em troca de sexo. Elas não estavam preocupadas em sair daquela vida, um número bem pequeno, satisfeito com a vida das vitrines. Não são apenas as modelos das vitrines de Amsterdã que se prostituem, no mundo todo, sempre existiu a exploração sexual, até um prato de comida serve como pagamento, tamanha degradação humana. Claro que a prostituição sempre existiu e dificilmente vai acabar um dia, não faço ideia de quantas mulheres estão em vitrines, só sei que eram muitas, vi apenas uma parte delas. Não vamos ser hipócritas em dizer que é um trabalho digno, é uma atividade que fere a dignidade da mulher, é diferente da que resolve fazer sexo por gostar e com quem quiser. Também não serei hipócrita em dizer que isso não acontece com mulheres de classe alta e curso superior, a prostituição está presente de várias formas, até por comodismo, para ter uma vida, digamos, boa em termos materiais. Há homens e mulheres que casam por dinheiro. Então, nada de julgamento. Uma mulher pode vender o corpo por motivos completamente diferentes e se ela souber usar o sexo em seu favor, pode obter muitas vantagens, não mudou muito desde os primórdios, entretanto,  o sexo já teve outra conotação, não era visto com tanto moralismo e o homem sequer sonhava que também era responsável por perpetuar a espécie, era atribuído apenas a mulher,  a responsabilidade de gerar outro ser. Não posso julgar quem se prostitui para sustentar a família ou qualquer outro motivo, mas posso ficar enojada com quem tem coragem de explorar o corpo feminino, principalmente de meninas. É um comércio que cresce cada vez mais, e não é apenas o mundo masculino que tem esse serviço disponível, mulheres também podem ligar para o “disk sexo”, para os homens, sei que existe o book rosa, devia existir o book azul para mulheres, quem sabe exista. O book rosa, é uma espécie de catálogo com fotos de mulheres lindas e em trajes provocantes, como um cardápio, fica a seu critério e o tanto que está disposto a pagar. É oferecido em muitos hotéis, discretamente. Estranha essa indústria do prazer. Pagar por sexo com alguém que você nunca viu, que não sabe nem se vai gostar. Talvez seja possível fantasiar, e até curtir o momento, mas fim do serviço, melhor despachar, não vai ter o que fazer, conversar, nem pensar. Não tenho nada a ver com a vida sexual de ninguém, cada um faz o que der prazer, contanto que não fira a dignidade humana e não cause sofrimento, nem para você, nem para quem está oferecendo um serviço, não deve ser nada fácil precisar satisfazer os desejos mais libidinosos de alguém que você não tem a mínima intimidade. Não sei como funciona o antes, durante e depois, só sei que o pagamento é adiantado e deve ter até maquininha de cartão de crédito, deve ser no débito, porque prazer parcelado, não tem condições, orgasmos em 10 vezes sem juros, acho que não dá para arriscar, melhor dar um jeito de pagar à vista, para não correr o risco de receber o serviço só depois da quitação total.

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⏰ Last updated: Mar 10, 2021 ⏰

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