CAPÍTULO 18

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~ Antônio Zeebur ~

Seu estômago não sentia fome, mas ele prefiria comer com fome do que deixar pra depois e acabar tendo que esperar chegar em casa. O almoço não era caro, então Antônio apenas comprou uma maça e uma coca-cola, um bom equilíbrio, pela saúde, claro. Sua socialização era horrível, diferente de sua irmã, por esta razão Antônio se sentou em uma mesa vazia no imenso refeitório cheio de alunos. A testoreno e o hormônio misturado deixava o lugar extremamente pesado para se respirar.

Não que fosse anti-social, longe disso, mas não confiava facilmente em ninguém. Aquele colégio era cheio de esnobes, então o pé atrás de Antônio ainda estava muito atrás. Fora, que o talvez único amigo dele não estava ali, e tão pouco sabia se seriam amigos ou apenas conhecidos de vizinhança.

Uma garota baixinha se aproximou e ela olhava para todos as pessoas em volta. Todos a olhavam estranho e isso encabulou Antônio. Ele lembrava-se vagamente dela de algumas aulas atrás, estava na sala de Espanhol. Ela tinha uma bandeja de almoço em mãos, nela havia salada e refrigerante diet, o mesmo que as cheerious, porém não usava uniforme.

— Tem alguém sentado aqui? — Perguntou ela. Antônio já desconfiava porquê todos a olhavam de forma torta. Ele negou com a cabeça. — Posso me sentar aqui, com você?

— Sim, claro.

— Obrigada! — Respondeu ela sentando ao seu lado. Organizou a mochila sobre a mesa e depois bebeu um pouco do refrigerante. — Eu me chamo Augustina. Temos Espanhol e Educação Nutricional juntos.

— Prazer, me chamo Antônio, mas pode me chamar de Toni.

— O prazer é meu, pode me chamar de Agus, meu apelido quem deu foi meu pai, porém quem escolheu meu nome foi minha mãe, claro, depois de eu persuadir ela. — Disse Agustina falando pelos cotovelos. Antônio gostou dela.

— Posso perguntar uma coisa? — Perguntou Antônio acanhado. — Não precisa responder se for pessoal. Mas, por quê todos te olham de forma estranha? — Ela suspirou e encarou ele.

— Eu sou uma mulher trans. — Respondeu ela. Antônio se sentiu mal por todos a olharem de forma estranha apenas por não ser cis. — Isso vai mudar sua opinião ao meu respeito?

— Ainda não tenho uma opinião. — Observou Antônio. — Mas porque faria diferença? Você é só uma garota como qualquer outra nesse colégio.

— Não sei, a de todos mudam. Achei que com você não fosse diferente. — Comentou ela. Estava aparentemente mais aliviada.

— Eu não sou todo mundo, e também isso pra mim não importa, sendo uma pessoa boa, não importa o gênero. — Disse Antônio dando de ombros. Ele mordeu a maçã e depois bebeu um pouco do refrigerante. — Por que não sentou com algum amigo?

— Eu não tenho amigos... — Respondeu ela. Isso incomodou um pouco Antônio, era um tanto triste. — Não é fácil ser a única garota trans desse lugar. Ninguém me olha normal, como você, mas ao menos em New Directions todos me respeitam.

— Espera, você entrou no New Directions?

— Sim, Ivana disse que eu danço muito bem. Vai fazer a inscrição?

— Sim, claro, óbvio. Eu vou gravar o vídeo hoje e enviar a noite. — Disse Antônio. Ele estava entusiasmado e animado.

— Se quiser eu posso ajudar a você. — Ofereceu Agustina com simpatia. — Notei que você é mais quieto.

— Sim, em certos pontos. Bom, ou até alguém me irritar. — Disse Antônio rindo internamente. — Depois que eu pego intimidade com alguém não me torno o melhor exemplo de comportamento.

Haviam muitas histórias pra contar, porém nenhuma a se orgulhar. Uma vez Antônio jogou um balde de tinta permanente vermelha em uma líder de torcia quando ainda estudava em Ohio. A garota ficou um mês com os cabelos antes loiros, na cor vermelha. Ele levou suspensão mas mesmo assim não se arrependeu do que fez.

— Deixa eu tentar adivinhar. — Disse ela com um rosto bem pensativo, mas logo com um estalo ela olhou para ele certa do que iria dizer. — David Barnatt. É isso?

— Como sabes?

— Eu vi antes de ontem, vocês trocaram farpas no corredor. Poucas gente ficou pra ver, e eu também não queria ver, era só porquê não conseguia acertar a senha do meu armário. — Explicou Agustina. Antônio riu e mexeu no canudo de seu refrigerante, estava debatendo consigo mesmo tudo desde que conheceu David. Um desastre atrás do outro.

— Ele foi um idiota, não vou com a cara dele depois disso. Eles se acham.

— Ele é um idiota. — Disse ela dando ênfase no termo principal. — Todo mundo que anda com ele é bem imbecil, principalmente aquela turma dele, se acham muito.

— Percebi isso. Aquela Taylor não é flor que se cheire.

— Vai por mim, eles não prestam. — Agustina parecia se lembrar de alguma coisa. Ela estalou o dedo e olhou para ele. — Exceto Arthur, você já deve ter conhecido, vi vocês conversando. Ele é um cara legal, diferente de David ele nunca me tratou mal.

— É, ele realmente parece ser mais simpático.

— Sim, e ele é. Muito na verdade. — Ela se aproximou mais e falou mais baixo, como se fosse um segredo. — Uma vez um grupo de garotas fez um motim por minha causa na diretoria, Taylor estava no meio. O argumenta delas era para que eu não usasse o mesmo banheiro que elas.

— Isso foi transfóbico, você sabe né?

— Sim, e o auge foi elas dizendo que não tinha nada a ver com a minha “opção sexual” e elas juravam de pé junto que não estavam seguras comigo lá.

— Lhe garanto apenas uma coisa: você está mais segura em um banheiro feminino com doze garotas do que em um banheiro masculino com dois caras. — Comentou Antônio pasmo com o relato. — Como acabou?

— O diretor deu prioridade pra mim. Igualdade a todos, segundo ele. — Respondeu ela. — A gente é sem sorte mesmo, não é?

— Porque?

— Você é a dupla do David, e eu da Taylor. Mais azar que isso até satanás chorou no inferno. — Explicou Agustina com enjôo na voz.

— Sim, cair com eles é mais do que azar. Com aquela loira de farmácia nem se fala.

— Eu conheço ela desde que tínhamos dez anos. Antes da transição a gente até era colega, mas agora que estou sendo eu mesma 100% não nos damos bem. Ela era chata, hoje é insuportável.

— Ela já era insuportável desde os 10 anos? — Perguntou Antônio fingindo surpresa. Como chave de ouro colocou até as mãos no peito.

— Acho que desde a barriga da mãe dela. — Nesse momento ambos riram. O sino de fim do almoço soou e todos tiveram que voltar às salas. Agustina levantou e pegou sua mochila. — Qual sua aula agora? — Antônio pegou o celular e checou sua grade horária.

— Educação Nutricional. Temos educação nutricional juntos, não é? — Perguntou Antônio e Agustina confirmou com a cabeça. Ele levantou e colocou a mochila nas costas. — Vamos para a turma? Fica do outro lado do colégio. Sala G-26.

— Temos outra opção? — Perguntou Agustina e eles começaram a andar. Ela realmente parecia revoltada e não queria ir para sua aula.

— Não, fora saudade é o que temos pra hoje. — Respondeu ele rindo.

A turma que teriam aula era bem longe, e para sorte de Antônio, David não estava nessa aula no mesmo horário que ele, nem Taylor, e nenhum amigo dele. Ele achava Agustina uma garota legal, eles concordavam em muita coisa e ele sentia sinceridade nela. Por fim, resolveu dar uma chance para aquela amizade. Até aquele momento era a única pessoa que achava que parecia com ele, ao menos em relação a David e seus capachos.

Até a Próxima!

Um Último Minuto (+16) - Versão Nova em BreveWhere stories live. Discover now