No limiar da cibernética

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 A campainha estilizada tocou, um solo de guitarra ecoando pela casa moderna e chamando a atenção da dona, quem apreciou a melodia enquanto verificava na tela quem a incomodava no meio da tarde. Reconheceu ambos os rostos masculinos exibidos pela câmera, pressionando um botão azul para o funcionamento do interfone, se aproximando do microfone instalado na mesa:

 — Estou terminando um trecho de código, desço para a sala em cinco minutos.

 — Tudo bem. — respondeu o que carregava o que aparentava ser uma moça desacordada nas costas, já o parceiro nada disse, somente empurrou a porta metálica.

 Digitou mais um pouco, tomando cuidado com erros para que tudo rodasse perfeitamente na nova série em desenvolvimento, a expectativa é que o produto esteja disponível no mercado na primavera. Empurrou os apoios da cadeira e levantou, esticando os braços acima da cabeça ao mesmo tempo em que estalava os dedos entrelaçados, ponderando qual nova tarefa será incumbida a si pelos agentes de segurança.

 Desceu as escadas sem pressa, o salto ressoando na madeira e a mão vasculhando pelo isqueiro e caixa de cigarros no bolso. Adentrou a sala acendendo o objeto, prosseguindo para a poltrona oposta ao sofá onde um dos inspetores já havia se feito confortável com a visitante misteriosa ao lado. Uma análise rápida de seu olhar treinado identificou o led na têmpora, tratava-se de um robô desligado e provavelmente sua próxima missão.

 Cumprimentou ambos os humanos adequadamente, liberando a fumaça sem preocupação alguma com o ambiente fechado, os purificadores de ar faziam um trabalho esplêndido e rápido. Eles devolveram a cortesia, recusando a oferta de café, porém Kogami aceitou o tabaco e acendeu com o próprio isqueiro. Ginoza retorceu o nariz brevemente, acomodado longe o suficiente dos fumantes para se sentir melhor e começou a explicação da situação após um ajustar dos óculos:

 — Como pode ver conseguimos capturar uma androide divergente. Ela estava com o grupo rebelde anti-Sybil que tentamos cercar ontem, contudo a maioria dos detidos eram atendentes relativamente comuns do clube clandestino e isto foi o mais próximo que chegamos da banda que tocava, os líderes. Queremos que você recupere o máximo de informações possíveis sobre eles, principalmente o que puder levar a um esconderijo.

 — Entendi. Ocorreu algum dano na estrutura durante a apreensão? — a loira indagou. 

 — Não, após ajudar a cantora a pular o muro ela se entregou. — relatou Shinya.

 — Assumo que o desligamento tenha sido forçado?

 — A androide insistiu que não era necessário, mas considerando os planos de se aproveitar do armazenado nela o desligamento não estava disponível para debate. — Nobuchika explicou, com o mesmo tom irritado que demonstrava toda vez que lidava com esse tipo de caso.

 — Realmente facilita meu trabalho. — segurou o cigarro com os dentes e se ergueu para analisar o modelo — Esta série é de dois anos atrás, se não tiver ocorrido apagamento nesse período aqui vai ter bastante história.

 — Contamos com você para extrair tudo de interesse. — ficou de pé, preparado para retornar à viatura.

 — Já vai? Fiquem mais um pouco, fazia semanas que eu não era visitada pelos meus inspetores favoritos.

 — Somos os únicos que você conhece.

 O policial sentado riu baixo, puxando assunto ao perguntar como estavam os projetos da Cyberlife, ignorando o companheiro que afundou no assento novamente com um revirar de olhos. Conversaram por meia hora, matando a saudade de contato humano de Shion antes de terem que voltar aos seus deveres com o resto da sociedade, ela pediu por último auxílio em levar a carcaça imóvel eletrônica para o laboratório, convenientemente no mesmo andar.

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