Reencontro

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A marcenaria do meu pai obrigou toda minha família a sair da Bahia e se mudar para uma cidadezinha pacata ao Norte do Brasil. Incrível. Apesar de nem conhecer o lugar ainda, já deixo minhas expectativas baixas, talvez exageradamente baixas. Viver sem meus avós, mar, areia...

Ver meus dezoito anos empacotados em caixas ao redor da casa, me fez me sentir mal.

-Guardou tudo William?

-Sim.

Todos os meus livros de italiano estavam em uma caixa junto com meus outros dicionários. Uma outra caixa com roupas, tanto velhas quanto as mais novas. Minha antiga bola de vôlei e minha prancha ficarão aqui na casa de minha vó.

-Pega uma caixa que eu pego a outra. Vamos pra sala.

Quando passar daquela cortina de miçangas que aos seis anos eu e Renata ajudamos a fazer, vou ver que aquilo é real e não quero isso.

-Me dá um minuto.

-Tudo bem.

Ela pegou uma das caixas e pude ouvir o som dos vidrilhos batendo um nos outros pelo movimento das mãos. Como consegue fazer isso com tanta facilidade?

Suspirei. Peguei a caixa e sai do quarto. Ao ver a cortina me encarando no final do corredor, engoli em seco. As despedidas começariam. As despedidas finais. Passei uma última vez a mão pelas pedrinhas e fui a sala. Meus avós estavam sentados no sofá conversando algo com minha mãe já fora de casa, colocando a caixa de Renata no caminhão.

-Isso filho, ajuda sua mãe a levar a caixa lá fora. Pegou tudo?

Assenti.

-Então vai que só falta você.

Desci a pequena escada passando pela varanda, que, igual a tudo daquela cidade, me traria saudade, mesmo de só ficar sentado com minha família de noite, olhando para o céu e, se estivesse muito entediado, para as plantas nos potes pregados na parede. Só podíamos deitar na rede se meu vô não estivesse nela, o que era improvável.

Andei com pesar e coloquei a caixa junto das outras muitas lá dentro.

Meus avós saíram da casa e se despediram de nós com abraços e beijos longos. Falando que já estavam morrendo de saudades e que faríamos chamada de vídeo mais tarde. Vi Laiane vindo de bicicleta quase nos alcançando.

A estacionou e correu para me beijar. Mesmo sem querer assumir, vou também sentir falta dela, apesar de ter achado essa cena de beijo desnecessária. Pelo menos com essa distância tive uma desculpa para terminar as coisas entre nós. É uma forma melhor de dizer que ela não é exatamente meu "tipo". Como a miss de Salvador não é meu tipo? É algo difícil de responder.

Entramos no velho Santana do meu pai, Laiane e meus avós, nos viram afastarmos cada vez mais.

Virei o rosto para frente, cruzei os braços e tentei dormir. Renata olhava pela janela. Tentei fazer isso, olhei tudo ficando para trás. O restaurante que íamos comemorar aniversários, as casas dos meus amigos, a biblioteca ao longe que pegava livros de línguas estrangeiras caros demais para comprar. Duvido que nessa nova cidade tenha alguma biblioteca que seja um terço de bonita das daqui. Decidi fechar os olhos e voltar a dormir porque se visse algo mais começaria a chorar. As músicas da rádio com uma estética ruim me deram sono.

A viagem duraria dois dias inteiros pois iriamos de carro até lá. Sabia que as primeiras horas seriam as menos torturantes pois ainda estávamos todos de "bom" humor, acabei não aproveitando porque dormi. A noite paramos em um hotel barato na estrada de alguma cidade (que esqueci o nome) junto com o homem do caminhão de mudanças. Jantamos por ali, caldo de galinha, dormimos e no dia seguinte voltamos a viagem. Dessa vez seria minha mãe que dirigiria. Dormi de novo, as vezes acordava, mas logo voltava aos sonhos. Chegamos de madrugada na casa, quase com o sol nascendo. Meu tio guardava a chave da casa para nós e, quando chegamos, ele estava na calçada, sentado em uma cadeira dobrável, fumando um cigarro para passar o tempo. Chegamos e todos ajudamos a tirar as coisas do caminhão. Ele abriu o portão e a porta da casa para nós. Minha mãe, sempre otimista, estava feliz com a casa.

Todas as pintas do seu corpoWhere stories live. Discover now